Opinião

O conflito da Rússia não é contra a Ucrânia, mas contra a Otan

A vetusta Organização, fruto passado da Guerra Fria, precisa manter a expansão de seus domínios, para garantir os lucros e a concentração de renda

Foto: Alexei NIKOLSKY / Sputnik / AFP
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“Se a verdade facilita nossa vida, então é melhor aceitá-la do que nos escondermos dela. Nossa vida pode ser mudada, mas a verdade, não. Ela permanecerá para sempre a verdade, e ela acaba por nos denunciar.”
Leon Tolstoi.

No dia 13 de fevereiro, em que comemoramos Santos Cirilo e Metódio, patronos da língua russa, por eles sistematizada (por isso o alfabeto “cirílico”), recebemos a feliz notícia de que a Ucrânia pode renunciar ao ingresso na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

O anúncio foi feito, informalmente, pelo embaixador ucraniano em Londres.

Por aqui, as oito famílias, donas da imprensa hegemônica, ainda se referem ao conflito -erroneamente – como sendo entre a Rússia e a Ucrânia. Na verdade, é entre a OTAN e a Rússia, algo bem diverso.

A vetusta Organização, fruto passado da Guerra Fria, precisa manter a expansão de seus domínios, para garantir os lucros e a concentração de renda requeridos pelos financiadores (entre eles, países que compuseram o Eixo, responsáveis pelo maior genocídio da história da humanidade). Não são boas referências, convenhamos.

Com efeito, os fantasmas insepultos da Segunda Guerra Mundial parecem ter retomado a cena mundial, a tal ponto que a porta-voz da chancelaria russa qualificou a Alemanha como “estado ocupado”.

Diga-se de passagem que a referida diplomata russa – mesmo em meio a crise de tais proporções – consegue aliar inteligência e bom humor, qualidade apenas dos/as melhores diplomatas, como o melhor deles na atualidade, o argentino Jorge Mario Bergoglio, também conhecido como Papa Francisco.

Anteriormente, ao contestar a desastrosa chanceler inglesa, que demonstrou não poder localizar o Mar Negro no mapa de seu próprio continente (afirmou que os ingleses enviariam armamento aos Países Bálticos pelo Mar Negro…), a porta-voz respondeu: “Seus conhecimentos de geografia só são inferiores aos de história…”.

Por favor, não perguntemos a ela o que pensa do Brasil atual…

Com efeito a manipulação dos países europeus, membros secundários da OTAN, atinge tais exageros que o próprio governo ucraniano acusou os Estados Unidos da América (EUA) de propagarem o alarmismo, ao fantasiarem uma suposta invasão russa ao país (cujo primeiro nome, aliás, fora “Pequena Rússia”).

De fato, as provocações ocidentais se avolumam, de forma pueril, evidenciando fragilidade: notícias falsas; ingresso de submarino estadunidense, submerso, em águas territoriais russas; fomento à russofobia na imprensa internacional etc.

A realidade, porém, não acompanha a folgança: o apoio interno a Putin é consistente com o bom nível de vida de que goza atualmente a população russa, o melhor em décadas, quiçás séculos.

A façanha foi atingida graças ao excelente gerenciamento dos recursos minerais do país, principalmente o petróleo e o gás, responsáveis por 40% da energia consumida pela Europa Ocidental, por exemplo.

Graças a isso, a Rússia detém a quarta maior reserva financeira do mundo, atrás apenas da China, do Japão e da Suíça.

Portanto, tentar estrangular o país com sanções é completamente inviável, como já fora com relação ao Irã, com vulnerabilidades infinitamente maiores, inclusive no campo militar.

Pior, até por sua dependência energética, a China simplesmente não aceitaria nada similar, inclusive porque a imensa população chinesa também goza do melhor nível de vida em séculos, livre de amarras de vassalagem política a um suserano qualquer.

Então, de quem são as fragilidades nesse conflito?

Dever obediência a um império decadente pode ser fatal, literalmente, para os europeus (como está sendo para o Brasil e já fora em nossa história colonial, com relação a Portugal). Mais uma vez uma guerra cobra seu altíssimo preço, como a Segunda cobrara da Primeira. Só a justiça sepulta os cadáveres, como a Argentina e o Chile descobriam a duras penas (não é o nosso caso ainda e por isso pagamos preço tão elevado).

Ou seja, a Rússia é hoje o que também seríamos sem o golpe, com recursos do pré-sal investidos na saúde, na educação e na infraestrutura. Um país soberano, livre para fazer as melhores escolhas para o próprio povo e contribuir com a comunidade internacional.

Nós, infelizmente, perdemos aquela batalha de 2016/18, mas, em 2022, poderemos reverter a injustiça, de forma pacífica, nas urnas, talvez definitivamente.

Neste momento em que nossa irmã Ucrânia (que também fora objeto de golpe de estado, vale recordar) encontra-se na condição de peão em um tabuleiro ao redor do qual outros são os jogadores principais, como não recordar nossa ucraniana-pernambucana-carioca preferida, Clarice Lispector, diplomata não remunerada, pois fora casada com diplomata e até como enfermeira serviu em Nápoles durante a Guerra?

Que alento nos traz na crônica “Primavera ao correr da máquina”, em “Aprendendo a Viver” (editora Rocco): “Ah, pressentir é mais ameno do que o intolerável agudo do bom. E que eu não esqueça, nessa minha fina luta travada, que o mais difícil de se entender é a alegria.”

Judia que teve de fugir com a família, ainda bebê, dos pogroms da extrema-direita na Europa do Leste, Clarice sabia que o ódio dos algozes (depois fascistas e nazistas) era contra a inteligência, a beleza, a alegria, entendidas como liberdade de livre pensar. Não temiam um povo, como todos os outros fisicamente tão diverso; temiam sua capacidade de ler o mundo e interpretá-lo; temiam Rosa Luxemburgo, Trotski, Freud, Einstein, enfim, a verdade sobre nós e o universo.

Mas um outro judeu-palestino, Jesus de Nazaré, há mais de dois mil anos, já dissera que não se acende um candelabro para que não venha a iluminar.

Disse Ele também que a verdade nos libertará. Uma certeza em meio tantas incertezas. Os tempos dessa verdade também nos cabem.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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