Olivia Silva Telles

Chico Whitaker

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É arquiteto e ativista social, foi vereador em São Paulo pelo PT, secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz, cofundador do Fórum Social Mundial, membro da Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares, Premio Nobel Alternativo de 2006.

Opinião

O colapso das instituições?

Por todos os indícios, a resposta é sim. No Brasil, ao contrário das declarações das autoridades, elas não funcionam

Imagem: iStockphoto
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No fim de junho, ativistas reunidos no Núcleo Todos Pelo Bem Comum avaliaram as iniciativas da sociedade civil desde o primeiro ano do mandato do atual presidente da República para que as instituições republicanas impedissem que suas ações e omissões provocassem o descalabro no qual o País está metido.

A conclusão a que chegaram levou-os a fazer uma pergunta preocupante: vivemos no Brasil o colapso de nossas instituições?

De fato, se nenhuma sociedade está livre, numa conjuntura política infeliz, de eleger um mau governo, é precisamente para coibir abusos e desmandos que existem as instituições, organizadas num sistema de freios e contrapesos, devendo atuar como verdadeiro sistema imunológico.

Acontece que, no Brasil de hoje, as instituições pararam de funcionar e parecem em colapso, razão pela qual a sociedade, a parcela mais pobre sobretudo, acha-se à mercê, indefesa e rendida, nas mãos de um governo celerado. Os exemplos são abundantes e falam por si.

Em primeiro lugar nesse rol sinistro figura, evidentemente, o procurador-geral da República. Investido numa função-chave para a fiscalização do Executivo federal, o atual PGR recusa-se a denunciar os graves crimes cometidos pelo presidente da República no exercício do mandato.

A seguir e tão grave quanto é a postura do presidente da Câmara dos Deputados, que se recusa a dar seguimento a nada menos que 144 pedidos de ­impeachment do presidente da República por crimes de responsabilidade, exercendo aliás um poder excessivo que lhe é atribuído, sem previsão sequer de prazo, e que deve ser urgentemente redesenhado.

O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, não apenas “sentou em cima” da representação ajuizada, em agosto de 2021, pela Comissão Arns, pedindo a abertura de investigação contra o procurador-geral por crime de prevaricação, como ainda concedeu liminar, em fevereiro de 2022, para afastar a possibilidade de enquadramento nesse crime do exercício abusivo da assim chamada “liberdade de convencimento” dos integrantes do Ministério Público e do Poder Judiciário. Do mesmo naipe é a inação do Senado, titular da atribuição de processar e julgar os crimes de responsabilidade do procurador-geral e, portanto, do poder de decretar o seu impeachment, e nada faz.

Segue do mesmo modo pendente de julgamento no Supremo a queixa-crime subsidiária ajuizada contra o presidente da República, em abril de 2022, pela Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19, que fez valer o direito atribuído aos cidadãos de ajuizar ação penal privada, de forma subsidiária, nos casos de inércia do Ministério Público.

Não será também demasiado enfatizar a direta responsabilidade da Justiça Eleitoral nessa verdadeira hecatombe. O Tribunal Superior Eleitoral só veio a julgar o pedido de cassação dos diplomas de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão em 28 de outubro de 2021, e decidiu – tarde e mal – como se sabe, pela improcedência das duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral que apontavam abuso de poder econômico e uso indevido de meios de comunicação na campanha de 2018.

Os partidos preferiram apostar nas eleições e, agora, até o sufrágio está em risco

Tão ou mais aterradora é a impregnação da mentalidade bolsonarista nas polícias, que deveriam velar pela segurança da população, e que culminou recentemente com o assassinato sob tortura, num episódio que ficou conhecido como “câmara de gás”, de Genivaldo de Jesus Santos, cidadão vulnerável sob todos os pontos de vista, massacrado pela Polícia Rodoviária Federal em Sergipe. E que explica igualmente o recente massacre de indígenas por policiais militares em Mato Grosso do Sul. E o fato de não ter sido, até o presente momento, descoberto o mandante do assassinato da vereadora Marielle Franco, passados mais de quatro anos do crime. E que não prenuncia investigação eficaz dos recentes assassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira na Amazônia.

Choca, além do mais, o silêncio sepulcral dos partidos políticos, cuja função, nunca é demais lembrar, vem enunciada solenemente no artigo 1º da Lei dos Partidos Políticos: “Assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”. Nada mais distante da realidade: as legendas encontram-se totalmente entregues à campanha eleitoral, como se vivêssemos tempos normais de alternância no poder. Pergunta-se, ademais, se as alianças cerceiam sua liberdade de denunciar e gritar contra os crimes cometidos.

O povo, por sua vez, encontra-se de certa forma adormecido ou anestesiado – em parte em razão dos sofrimentos causados pela pandemia e agravados pelo governo –,­

limitando-se, quando muito, a desperdiçar boa energia com manifestações de ódio e xingamentos nas redes sociais, e em sua maioria incapaz de começar a se organizar autonomamente para resolver os problemas que o afligem. Uma esperança vem justamente das camadas mais precarizadas da população – tanto nas áreas rurais quanto nas urbanas –, que precisam acordar e perceber o imenso poder que têm, se não de muitos outros modos, pelo menos por meio do voto.

Agora, às vésperas de eleições que darão diretamente ao povo o poder de escolher um novo presidente, fica cada vez mais evidente que até essas eleições estão em risco, ou que seus resultados, se desfavoráveis a Bolsonaro, não serão aceitos por ele. E seus porta-vozes avisam que ele não terá como controlar seus apoiadores se repetirem aqui o que tentou fazer o ex-presidente dos Estados Unidos com a invasão do Capitólio.

E como que a coroar essas perspectivas, o próprio Congresso parece ter caído numa armadilha, aprovando iniciativas legislativas eleitoreiras e até mudanças constitucionais que podem abrir o espaço para medidas autoritárias.

Só cabe, a nós cidadãos e cidadãs sem poder institucional, chamar atenção para o imperativo imediato de nos unirmos todos em ações que garantam a efetiva realização dessas eleições e sua plena fiscalização, para que, depois, seja possível realizar as mudanças necessárias para que nunca mais ocorra o que tem acontecido em nosso país.

E sempre valerá a pena que aqueles que ainda não o fizeram assinarem a Carta Aberta aos senadores e senadoras pelo impeachment do procurador-geral da República (www.ocandeeiro.org), uma das iniciativas em curso que podem ainda produzir algum efeito no esforço por despertar as nossas instituições. •


*Olivia Silva Telles é advogada, doutora pela Universidade de Paris I. Desde 2011 é colaboradora em matéria de Direito Eleitoral do MCCE-SP (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral). Chico Whitaker  é arquiteto e ativista social, foi vereador em São Paulo pelo PT e secretário-executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1216 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE JULHO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O colapso das instituições?”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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