Liszt Vieira

Professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond)

Opinião

O clima será uma prioridade no governo Lula?

O Brasil chega com péssima reputação na COP-27, mas a presença de Lula sinaliza ao mundo seu compromisso com uma nova política

Lula em campanha na Amazônia - Foto: Reprodução/YouTube
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Cerca de 40 mil pessoas de 196 países estão participando da 27ª Conferência Mundial do Clima, a COP-27, realizada de 6 a 18 de novembro em Sharm El-Sheikh, no Egito. Esta COP, apresentada pela presidência egípcia como um encontro de “implementação”, de “passar das promessas à ação”, tem como missão avançar na luta contra as mudanças climáticas.

Na abertura da COP 27, no domingo 6 de novembro, foi divulgado um relatório da OMM (Organização Meteorológica Mundial) mostrando que cada um dos últimos oito anos foi mais quente do que todos os registros conhecidos até agora. Segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres, o relatório da OMM é uma “crônica do caos climático”, fenômeno que “está ocorrendo em velocidade catastrófica, devastando vidas em todos os continentes”.

No verão passado, tivemos eventos climáticos extremos que comprovaram, mais uma vez, a urgência da crise climática que atingiu muitas regiões do mundo, causando sofrimento, desolação e danos, como o Paquistão devastado pelas inundações, a África ameaçada de fome pela seca, a China enfrentando a pior onda de calor de sua história ou a Europa registrando altas temperaturas em seu verão mais quente e seco, além de incêndios em diversos países.

O contexto geopolítico, porém, relegou a batalha pelo clima ao segundo plano. Enquanto as crises energética, alimentar, inflacionária e da dívida pressionam países que já enfrentam as consequências da pandemia de Covid-19, a guerra na Ucrânia está favorecendo o uso de fósseis, principal causa do aquecimento global.

Conforme decidido ano passado na COP 26, em Glasgow, todos os principais países emissores devem intensificar esforços para atingir um limite de 1,5°C no aquecimento global. O objetivo é alcançar uma redução de pelo menos 55% nas emissões até 2030 e neutralidade climática até 2050. A concentração de CO2, o principal gás de efeito estufa, atingiu um nível nunca visto há mais de 2 milhões de anos. No entanto, após breve redução durante a pandemia, as emissões alcançaram recorde em 2021, principalmente devido à exploração de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás) e ao desmatamento.

O aumento da temperatura global, além de comprometer a produção agrícola e agravar a crise alimentar, leva à multiplicação de eventos extremos como secas, inundações, terremotos, furacões e até inundações de áreas e cidades costeiras pelo aumento do nível do mar, ameaçando a sobrevivência de países insulares. Somente a neutralidade de carbono, ou seja, o princípio segundo o qual as emissões não devem exceder a capacidade de absorção dos sumidouros naturais (florestas, oceanos etc.) permitirá que a concentração de CO2 se estabilize e depois diminua lentamente na atmosfera.

Os cientistas alertam para a necessidade de limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C para conter os dramáticos efeitos do aquecimento global. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), formado pelos principais cientistas climáticos do mundo, deixou claro que um aumento de 2°C terá dramáticas consequências para bilhões de pessoas e para todo o planeta. No entanto, levando-se em conta a soma atual das contribuições nacionais, teremos um aumento de 2,5°C, ou até mais em algumas regiões.

Na realidade, as Conferências da ONU sobre clima sempre ficam muito aquém do mínimo necessário para a redução do aquecimento global. Mesmo assim, as resoluções nem sempre são cumpridas pelos países membros, como foi o caso do Brasil, e de diversos outros países. Segundo a ONU, as metas climáticas nacionais dos países reduzem em menos de 1% as emissões de gases-estufa projetadas para 2030. Manda a praxe, porém, que o Presidente ou o Secretário Geral das Conferências sobre Clima divulgue declarações otimistas e esperançosas.

“Cada COP sucessiva representa uma oportunidade que a humanidade não pode perder”, declarou Sameh Choukry, presidente da COP27 e ministro egípcio das Relações Exteriores. Esta conferência oferece “uma oportunidade única para o mundo se unir, construir o multilateralismo, reconstruir a confiança e se unir no mais alto nível político para enfrentar as mudanças climáticas”, continua ele. E o secretário-geral das Nações Unidas conclamou, em entrevista ao jornal Le Monde: “Esta crise existencial deve voltar a ser a prioridade fundamental da ação política no mundo”.

E o Brasil?

Convidado pelo presidente do Egito, Lula, presidente eleito do Brasil, decidiu ir à COP-27. Na prática, Lula vai atuar como presidente de fato e influenciar a delegação brasileira.

Ao aceitar o convite, Lula declarou: “Em nosso governo, fomos capazes de reduzir em 80% o desmatamento na Amazônia, diminuindo de forma considerável a emissão de gases que provocam o aquecimento global. Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia.” E a ex-Ministra Marina Silva afirmou: “A questão climática agora é uma prioridade estratégica do mais alto nível de governo”.

Novos tempos. No primeiro governo Lula, alguns Ministros afirmavam que meio ambiente é entrave ao desenvolvimento. Em seu discurso após a proclamação do resultado eleitoral pelo TSE, Lula declarou: “O Brasil está pronto para retomar o protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a floresta amazônica”. Mais adiante, afirmou que “uma árvore em pé vale mais do que toneladas de madeira extraídas ilegalmente por aqueles que pensam apenas no lucro fácil, às custas da deterioração da vida na Terra”. Como proposta, declarou: “vamos retomar o monitoramento, a vigilância da Amazônia e combater toda e qualquer atividade ilegal, seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida”.

Lula deverá se encontrar em novembro com António Guterres, secretário-geral da ONU, para o lançamento de uma iniciativa internacional de combate às mudanças climáticas, tendo em vista a gravidade da crise. Após a vitória de Lula na eleição, a Noruega declarou que retomará a ajuda financeira ao Brasil contra o desmatamento da Amazônia, congelada durante o governo Bolsonaro, segundo anunciou em 31 de outubro último o ministro norueguês do Meio Ambiente. A Noruega era a maior doadora do Fundo Amazônia, responsável por 93,8% do total das verbas. Entre 2008 e 2018, repassou US$ 1,2 bilhão para o Brasil prevenir, monitorar e combater o desmatamento.

O ministro da Noruega, Espen Barth Eide, lembrou que o desmatamento no Brasil caiu sob a Presidência de Lula — na Floresta Amazônica, a queda foi de 80% entre 2004 e 2012. Já com Bolsonaro, nos três primeiros anos do governo, houve um aumento de 73% no desmatamento, que ele descreveu como “escandaloso”. O fundo tem atualmente R$ 2,5 bilhões em recursos, congelados desde 2019, quando o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, extinguiu seus comitês gestores sem consultar os países financiadores. O STF, em 3/11/2022, determinou a volta do Fundo Amazônia, parado desde 2019.

No Brasil, as emissões de gases causadores do efeito estufa tiveram em 2021 sua maior alta em 19 anos, segundo relatório divulgado recentemente pelo Observatório do Clima. Os vilões são a energia, a pecuária e, principalmente, as taxas recordes de desmatamento na Amazônia durante o governo Bolsonaro — no ano passado, a destruição dos biomas brasileiros poluiu mais a atmosfera que todo o Japão. Em 2021, o Brasil emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de dióxido de carbono (CO2). O volume representa cerca de 4% das emissões planetárias, atrás apenas de China, EUA, Índia e Rússia.

Ainda segundo o Observatório do Clima, a emissão bruta per capita dos brasileiros é de 11,4 toneladas de CO2, acima da média global de 6,7 toneladas. A meta global é 1 tonelada de CO2 por habitante em 2050. O número brasileiro é similar ao chinês, de 9 mil toneladas, menor que o dos EUA, com 18 mil, e mais que o dobro do indiano, com 4 mil. A destruição dos biomas brasileiros por si só foi responsável por lançar 1,19 bilhão de toneladas brutas de CO2 na atmosfera em 2020.

As emissões cresceram em todos os setores, exceto resíduos, mas 49% delas vieram de mudanças no uso da terra, ou seja, causadas pelo desmatamento. O Brasil contraria as promessas feitas na COP 26 e confirmadas à ONU em abril deste ano: cortar as emissões em 37% até 2025, em comparação com 2005, e reduzi-las pela metade até o fim da década. Nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, a área desmatada cresceu 73%, segundo dados do sistema Prodes do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O Observatório do Clima também destaca que outros biomas também sofrem, já que os gases-estufa emitidos pela destruição da Mata Atlântica e do Cerrado subiram respectivamente 65% e 4%. O desmate não é o único vilão, já que as emissões do setor de processos industriais e usos de produtos cresceram 8,2%. No setor de energia, o incremento foi de 12,2%, o maior desde 1973.

A agropecuária também teve as maiores emissões de sua série histórica, após um crescimento de 3,8%: foram 601 milhões de toneladas de CO2, contra 579 milhões em 2020. A África do Sul inteira polui menos que todo o agro brasileiro. A maior responsável pelo recorde é a pecuária, que representa 79,4% das emissões do setor, após o rebanho bovino aumentar 3,1% em 2021, três vezes mais que a média dos últimos 18 anos, chegando ao recorde de 224 milhões de cabeças. O arroto desses animais, contudo, é responsável por quase um terço de todas as emissões globais de metano, gás que é até 80 vezes mais potente que o CO2 no aquecimento do planeta. Isso contraria compromisso internacional assumido pelo Brasil de cortar em 30% as emissões de metano até 2030.

Como se vê, o Brasil chega com péssima reputação na COP-27, mas a presença de Lula sinaliza ao mundo seu compromisso com uma nova política de desenvolvimento sustentável com proteção ambiental e redução da desigualdade social. O Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS) enviou carta ao presidente Lula pedindo que o Brasil seja recolocado no centro das negociações climáticas globais. A carta do FBOMS pede que Lula sinalize a vontade de o Brasil sediar a COP 30 em 2025. Segundo o sistema de rodízio, a América Latina deverá receber o evento daqui a três anos.

O Brasil deveria ter sediado a COP 25, em 2019, mas o governo Bolsonaro recusou alegando restrições orçamentárias. A carta destaca ainda a Convenção de Diversidade Biológica, a COP15, a ser realizada de 5 a 17 de dezembro no Canadá, afirmando que o Brasil, por abrigar expressiva diversidade de espécies e ecossistemas, deve voltar a ter participação significativa nas negociações globais sobre biodiversidade.

Lula está destinado a assumir uma importante liderança internacional em matéria de meio ambiente, e não só. Sua estreia na COP-27 é o primeiro passo dessa nova caminhada que vai elevar o Brasil à posição de destaque que merece ter e que perdeu durante o desastroso governo neofascista derrotado agora na eleição.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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