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O clima muda na política europeia e os ambientalistas avançam

Ao lado de partidos progressistas regionais e ‘piratas’, os verdes formam um grupo coeso no Parlamento

(Foto: Kay Nietfeld/APA/AFP)
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No dia da eleição em três capitais europeias no fim de maio, os eleitores levaram um partido rebelde ao topo nas votações para o novo Parlamento Europeu. Ao contrário da ampla especulação na mídia ao se aproximar a votação, não foram, porém, os populistas de extrema-direita que venceram nas urnas em Bruxelas, Berlim e Dublin. Em todas essas cidades, os partidos verdes conseguiram o maior número de votos, liderando uma onda em todo o continente que parece destinada a transformar seu papel político na Europa.

Chegar ao topo nas urnas pareceu “estranho” para o novo eurodeputado Ciarán Cuffe, de Dublin, o primeiro representante do Partido Verde que a cidade envia à Europa em duas décadas. “Fiquei muito animado pelo apoio às questões ambientais”, disse ele. Os verdes fazem parte de um bloco coeso e poderoso em um novo Parlamento Europeu fraturado, agrupados com partidos progressistas regionais e “piratas” da Aliança Livre Europeia. Juntos, esses grupos detêm quase 10% dos votos.

Dois grupos de centro, na maioria conservadores e social-democratas, haviam controlado o Parlamento desde a sua formação, mas seu domínio rompeu-se. Agora eles precisarão do apoio de outros blocos para aprovar leis e nomear os poderosos comissários e outros cargos importantes. Quatro grandes cargos estão vagos: as presidências da Comissão Europeia, do Conselho Europeu e do Banco Central Europeu, além do alto representante para Relações Exteriores.

“Os verdes poderão ser criadores de reis no processo de decisão”, avalia Agata Gostynska-Jakubowska, pesquisadora sênior no grupo de pensadores Centro para a Reforma Europeia. Eles já tiveram um impacto na disputa para substituir o presidente da comissão, Jean-Claude Juncker, acrescentou ela, deixando claro que os ambientalistas só apoiarão um candidato que defenda a sua agenda. “O que você vê é que todos os esperançosos estão ficando mais verdes.”

Ao lado de partidos progressistas regionais e “piratas”, os ambientalistas formam um grupo coeso no Parlamento

Embora os partidos populistas, de extrema-direita e antieuropeus detenham em conjunto um pouco mais de assentos, são um grupo muito menos unido, divididos, sobretudo, desde suas opiniões a respeito do presidente russo, Vladimir Putin, aos direitos LGBT e à condução dos casos de asilo a imigrantes.

Os verdes, em contraste, são unidos, disciplinados e têm um poder de voto que é amplamente à prova de Brexit. A Grã-Bretanha foi um dos países onde eles se saíram bem, mas, se o Reino Unido sair da EU, a porcentagem de votos do partido continuará praticamente a mesma. A capacidade de influenciar a liderança da UE marca uma reviravolta drástica. Há apenas alguns anos, pesquisas sugeriam que os verdes provavelmente perderiam a metade dos assentos em Bruxelas. Mas eles cresceram quase 50%.

Antes vistos como idealistas marginais, nada práticos e economicamente incautos, os anos em que participaram de coalizões nacionais e locais em vários países, destacadamente na Alemanha, lhes deram credibilidade como um partido de governo, e não apenas uma opção para eleitores descontentes em protesto. E, mais recentemente, eles consolidaram um manifesto que coloca a justiça social e os direitos humanos no centro da luta pelo planeta, atraindo eleitores desiludidos com os partidos de centro-esquerda da corrente dominante.

“Estamos felizes com isso, mas também nos deixa com muita responsabilidade. Os cidadãos não votaram em nós só como protesto. É pelas políticas”, reflete Terry Reintke, eurodeputado alemão que descreveu o crescimento como uma “onda verde”. “Obviamente, a crise climática será uma prioridade, especialmente pelo fato de a janela para agir ser muito, muito pequena. Mas é uma análise estreita demais dizer que o apoio só se deu por causa disso. Os cidadãos também votaram em nós em grande número porque também somos um partido de muita credibilidade em relação à defesa da democracia, do Estado de Direito e dos direitos humanos.” Reintke prossegue: “Vemos a União Europeia não só como uma união econômica, mas uma união de valores. Ela tem de ser mais igualitária e socialmente justa. Isso será uma prioridade para nós nas negociações”.

No sábado 27, pela primeira vez na história da Alemanha, a votação colocou os Verdes à frente de todos os outros partidos, com 27% dos votos. A CDU de Angela Merkel ficou com 26%, os social-democratas (SPD) com 12% e a AfD, de extrema-direita, com 11%. Os verdes europeus não têm um astro carismático que se equipare à democrata americana Alexandria Ocasio-Cortez, que colocou um “New Deal verde” no centro de seu plano político para a economia dos Estados Unidos. Mas eles se beneficiaram do crescente movimento de protesto civil, incluídas as greves escolares lideradas pela adolescente sueca Greta Thunberg e, no Reino Unido, o movimento Rebelião Extinção.

O perfil de seus eleitores significa que a influência provavelmente só crescerá. Os jovens inclinaram-se fortemente para os partidos verdes nos países em que eles se saíram bem. “Seis meses ou um ano atrás, nós prevíamos perder assentos como movimento. Mas, desde o último outono, houve um enfoque crescente nas questões climáticas globais, que encontraram lugar na consciência pública e nos corações e mentes, especialmente dos jovens”, disse Cuffe. “Mesmo quando eles não podiam votar, comunicaram-se com seus pais e avós. Muitos me disseram pessoalmente nas últimas semanas que iam votar verde porque seus filhos lhes pediram. Isso é algo que nunca vimos antes.”

Não foi uma onda pan-europeia. Na Hungria e na Áustria, os partidos verdes perderam lugares e a vasta maioria de seus deputados vem do Norte e do Oeste, com alguns novatos, incluída uma vitória inesperada em Portugal, um único lituano e quatro “piratas” da República Tcheca na aliança.

“Os verdes saíram-se bem na Europa Ocidental, especialmente na Alemanha, França, Reino Unido e Irlanda. Mas não são um fenômeno europeu como são os populistas. Eles não existem realmente na Europa Central e do Leste”, descreve Sara Hobolt, professora de política europeia na London School of Economics. Os manifestantes ambientalistas tiveram um grande papel em muitos movimentos democráticos que ajudaram a pôr fim ao regime soviético em toda a Europa Oriental, mas esse ativismo nunca se transformou em sucesso nas urnas.

Os grupos do Leste Europeu estão entre os 30 partidos nacionais que formam o Partido Verde Europeu, e aliados no Ocidente esperam ajudá-los a reforçar o grupo como um todo. “Nós, realmente, temos partidos na maioria dos países-membros, mas eles não passam do limite para conseguir assentos”, analisa Reintke sobre os verdes do Leste Europeu. “Nos próximos anos vamos nos concentrar em reforçar esses partidos.”
Provavelmente, os verdes se beneficiarão da crescente conscientização a respeito da crise climática no planeta. “É improvável que as questões verdes desapareçam. Eles, claramente, têm credibilidade quando se trata do assunto”, afirma Hobolt. “Lá na frente, não acho que eles serão um grupo menor.”

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