Opinião

‘O choque vem e nos deixa apavorados’

Assistimos durante a semana que se encerra a mais um espetáculo dramático do nível abissal da presidência, ilegítima, do Brasil

Jair Bolsonaro
Novamente, vemos que a extrema-direita direita não pode ser criativa. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil Novamente, vemos que a extrema-direita direita não pode ser criativa. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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O choque vem e nos deixa apavorados. Se o choque induzir à ação, estaremos livres do destino adverso
I Ching
Essa terceira linha móvel do hexagrama 51 do I Ching diz ainda: “Em tempos de choque, perdemos muito facilmente a presença de espírito: o indivíduo não enxerga todas as oportunidades para a ação e, sem reação, deixa o destino à revelia. Mas se ele permitir que os choques o induzam ao movimento dentro de sua mente, ele irá superar esses obstáculos mediante pequeno esforço”.
Assistimos durante a semana que se encerra a mais um espetáculo dramático do nível abissal da presidência, ilegítima, do Brasil.
O insano inquilino do Planalto determina a suspensão da pesquisa da vacina Sinovac, para a imunização da Covid 19; insulta os brasileiros, chamando-os homofobicamente de covardes, maricas; e ainda usa linguagem belicista contra os Estados Unidos.
No primeiro caso, cabe a pergunta: seria uma questão ideológica, gravíssima por si só, em se tratando de saúde pública, ou haveria outros interesses ainda mais particulares, de natureza pecuniária? Uma rachadinha? Não estaria fora da tradição da familicia, nem haveria degeneração da prática, portanto.
No segundo caso, quem são os covardes? Uma família que jamais trabalhou, locupletando-se do Estado das maneiras mais chulas? Quem gasta um milhão de reais no cartão corporativo, quando o País retorna ao mapa da fome? Quem tem à disposição, diuturnamente, o Hospital das Forças Armadas? Por evidente a resposta, não cabe sequer ser explicitada.
Quanto à provocação aos EUA, o miliciano se superou. Um Gualtieri tupiniquim, buscando o ocaso final do País, a morte, objetivo último de todos os demônios.
Sobre esse terceiro ponto, silêncio do chanceler inútil (de qualquer forma, uma colônia não tem política externa ou de defesa), seus prepostos e da caserna. Todos, porém, continuam recebendo lautos salários e benesses.
A propósito, o visionário Antonio Gramsci, assassinado “de forma culposa” (o fascismo local – inclusive do judiciário – não inventou nada), já dissera em “Odeio os Indiferentes”: “Quantos ilusionistas neste mundo: Ilusionistas aqueles diplomatas que, apenas porque se arrogam grandes ares, enganam como se fizessem grandes coisas”.
Entretanto, o mundo já conhecera grandes diplomatas, como Roger Casement, que lutara pela independência do país dele, a Irlanda.
No posfácio de “Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, na belíssima edição da Ubu Editora, Bernardo Carvalho, em artigo intitulado “O Congo é aqui”, recorda: “No capítulo sobre Conrad em Os anéis de Saturno, o alemão W. G. Sebald atribui à homosexualidade de Casement a capacidade de ‘reconhecer, para além das fronteiras de raça e classe social, a contínua opressão, exploração, escravização e destruição daqueles que estavam mais afastados dos centros do poder”.
Como Bolsonaro se engana; se todos fossem iguais a Casement, pessoas de comportamento tão desprezível quanto o dele e da familicia não existiriam sequer.
O mundo teria, então, um genocida a menos. Pois se genocidas sempre houve, mais heróis houve.
Com efeito, foram muitos os pares de Bolsonaro na história, um dos mais notórios o rei Leopoldo II da Bélgica, assassino de milhares de homens, mulheres e crianças no Congo, palco da obra, em apreço, de Conrad.
De fato, em outro artigo do posfácio daquele volume, Walnice Nogueira Galvão, em “O marinheiro Conrad”, refere: “O rei Leopoldo II da Bélgica perpetrou a proeza de reservar, não para seu país, mas para si próprio, como propriedade privada, uma vasta área na África, a qual passou para a história como a maior colônia pertencente a um único dono. Como ele conseguiu, numa monarquia constitucional e não absoluta, algo que se pensaria impossível fazer? Criando uma campanha de publicidade e relações públicas sem precedentes. Para começar, a colônia foi batizada como Estado Livre do Congo. A cortina de fumaça foi a filantropia. Leopoldo instituiu uma associação (que aparece em Conrad sob o rótulo transparente de Sociedade Internacional para a Supressão de Costumes Selvagens) que apregoava o objetivo de converter os africanos para trazê-los à cristandade e protegê-los dos traficantes de escravos. Só que, como observou um empregado da companhia de navegação que fazia a ligação com o Congo no porto de Antuérpia, os navios arribavam abarrotados de marfim e borracha, zarpando com soldados, armas e munições. Ou seja, não havia comércio, porque não havia troca mercantil: trocava-se matéria-prima valiosa por instrumentos de repressão”.
Novamente, vemos que a extrema-direita direita não pode ser criativa; por definição, criar é gerar vida nova e o fascismo, o mal, só conhece a injustiça, a morte.
Destarte, qualquer semelhança entre a descrição acima do Congo e a manipulação da extrema-direita local não é mera coincidência: “Brasil acima de tudo” mascara a venda do País e a subordinação dele a interesses estrangeiros; “Pátria amada Brasil”, quando a violam diuturnamente, num estupro em que morrem empobrecidos, mulheres, negros LGBTQI+s, crianças e indígenas, barbaramente imolados pelo ditador; “Deus acima de todos” a heresia das heresias, na medida em que o nome de Deus é usado da forma mais infame possível pelo próprio demônio.
Mas as urnas poderão trazer um novo começo, como nos alerta Leon Tolstói, citando o Dhammapada, em “Calendário da Sabedoria”: “Aquele que passa das más às boas ações ilumina o mundo como a lua que sai detrás das nuvens. Essa é a melhor coisa do mundo, é o primeiro passo a caminho da divindade”.

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