Alberto Villas

[email protected]

Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

O cérebro eletrônico

Com o tempo, o meu medo foi passando, e hoje vivo numa certa harmonia com o mundo digital. Mas o medo não sumiu totalmente

Foto: Valter Campanato/Agência Brasil
Apoie Siga-nos no

Nasci analógico e hoje sou digital. A transição se deu no início dos anos 1990, se não me falha a memória. De repente, computadores invadiram a redação do SBT, que ficava num galpão bem bagunçado e muito louco, na Vila Guilherme.

Para chegar até a redação, era preciso passar por um corredor imenso, onde ficavam troços e destroços de cenários semidestruídos daqueles programas populares, um verdadeiro circo.

Tinha boneca de pano tamanho natural, daquelas que dançam com os palhaços, tinha frango de borracha, cachorro de lata, casinha de boneca, coelhos vivos em gaiolas imundas.

O mais otimista dos nossos chefes, que passou uma temporada na Itália, instalando a TV Monte Carlo, chiquérrimo no seu sapato de couro alemão, se entusiasmava no meio daquela confusão e dizia:

– Isso aqui me lembra a Cinecittà!

Morro de saudades de trabalhar com o Albino Castro, que fazia questão de chamar a cidade maravilhosa de Guanabara, tantos anos depois.

Nas paredes do corredor, ficavam quadros a óleo, pintados por uma das filhas do Silvio. Obras que chamávamos de Os Impressionantes. Eram impressionantes mesmo. Lembro-me de uma mulher deitada no sofá de cor laranja, comendo um cacho de uvas roxas. Nunca vou me esquecer.

Um técnico, muito paciente, ficou incumbido de ensinar, um a um, como funcionavam os computadores.

Aí é que entra o meu medo.

Eu imaginava, naquela época, que bastava digitar uma tecla errada qualquer que a emissora poderia sair do ar, bem no meio do programa Fantasia, do Jô Onze e Meia ou do Programa Livre, do Serginho Groisman, por exemplo.

Pensava duas, três, quatro vezes, antes de colocar o dedo em qualquer tecla. Sinceramente, eu achava que nunca me acostumaria com aquela novidade. O teclado era leve demais e uma tendinite apareceu logo na segunda semana.

Um dos editores do Aqui Agora bateu o pé e se recusou a entrar no mundo digital. Entrava todo dia na redação com sua Lettera 22 debaixo do braço e durante todo o expediente, o único barulho que ouvíamos era o tac tac tac da sua máquina de escrever. Saudoso Paulo Patarra! Que falta ele nos faz.

Com o tempo, o meu medo foi passando, e hoje vivo numa certa harmonia com o mundo digital. Faço e até diagramo uma newsletter, que vira e mexe recebe elogios.

Mas o medo não passou totalmente. Semana passada, quando cheguei na loja autorizada da Apple, disse que o meu celular não se conectava à internet e a mocinha disse que ia consertar, mas que ia apagar tudo, quase tive um enfarto.

Seria o mesmo que me informar que eu apertei uma tecla e tirei o Programa Silvio Santos do ar.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo