

Opinião
O cateterismo pode ser eficaz contra a hipertensão resistente ou refratária?
Um estudo publicado na revista ‘Lancet’ mostra resultados muito promissores


A hipertensão arterial é uma das doenças cardiovasculares mais comuns no mundo. Assintomática por muitos anos, ela pode afetar gravemente vários órgãos, levando a riscos de infarto, derrame cerebral, obstrução de artérias de membros e até amputação.
Na maioria dos pacientes, a hipertensão é controlada eficientemente com dietas, exercício, controle de peso, mudança de hábitos e a introdução de medicamentos anti-hipertensivos. Infelizmente, alguns desenvolvem formas resistentes a tratamentos medicamentosos e até formas refratárias que dificultam o cuidado clínico.
De 12% a 15% dos hipertensos são considerados resistentes e, destes, 3,6% são refratários. Estes pacientes apresentam um desafio aos especialistas, necessitando de frequentes internações em prontos-socorros, tratamentos endovenosos intensivos e prolongados. Os riscos de complicações cardiovasculares graves aumentam significativamente neste grupo.
Recentemente, um estudo realizado em 25 centros nos Estados Unidos, Europa, Japão e Austrália, liderado pelo professor F. Mahfoud, da Universidade de Saarland, Homburg (Alemanha), foi publicado na revista Lancet. Nele, os cientistas avaliaram um método de denervação das artérias dos rins, através de cateterismo.
Os resultados foram muito promissores no tratamento dos quadros de hipertensão resistente ou refratária. Conversamos com o doutor Hélio Castello, coordenador do Centro de Hemodinâmica e Intervenções Cardiovasculares do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, que já está realizando esse procedimento no Brasil.
CartaCapital: Como podemos identificar se os pacientes são portadores de hipertensão arterial resistente ou refratária?
Hélio Castello: A hipertensão resistente (HAR) é definida por níveis de pressão maiores que 140 x 90 mmHg apesar do uso regular de pelo menos três medicamentos em doses máximas para controlar seus níveis pressóricos. Já a hipertensão refratária (HARf) é definida como um subgrupo de pacientes com HAR verdadeira, que mantém a pressão não controlada (PA ≥ 140/90 mmHg), mesmo estando em uso de cinco ou mais fármacos.
CC: Com tantos medicamentos utilizados simultaneamente, sem controle eficaz, outras abordagens têm sido estudadas. O que temos de opção?
HC: Já se sabia, fisiologicamente, que nervos do sistema simpático (autônomo) na parede das artérias renais aumentam a pressão arterial. No fim da década de 1940, a simpatectomia cirúrgica (cortar os nervos, ou denervar) do plexo nervoso ao redor da aorta abdominal foi usada para o tratamento da hipertensão. Esse procedimento se demonstrou efetivo, mas estava associado a hospitalização prolongada, queda de pressão postural, desmaio, impotência e até mesmo dificuldade em andar. Mais recentemente, apareceram estudos sobre o uso de Denervação Renal por Radiofrequência para auxiliar no controle de pacientes portadores de HAR e/ou HARf.
CC: A experiência é muito recente?
HC: Não. Há 13 anos, um grupo australiano publicou na revista Lancet um estudo que aplicou a ablação da artéria renal com a simpatectomia localizada em 45 pacientes com HAR e observou respostas consistentes de queda da pressão e baixo risco de complicações. Por se tratar de uma técnica nova, havia necessidade de avaliar a duração dos resultados e de complicações.
CC: O estudo recente respondeu a estas dúvidas?
HC: Sim. Neste mês foram publicados os resultados do estudo nos quais os pesquisadores compararam alterações na pressão arterial, uso de medicamentos anti-hipertensivos e segurança até 36 meses após os pacientes serem submetidos à denervação renal por cateterismo, comparados com aqueles submetidos a um procedimento simulado. Observaram uma queda significativa da pressão arterial do grupo tratado em relação ao grupo simulado.
CC: Esse procedimento já está sendo realizado no Brasil?
HC: Alguns hospitais começaram a utilizá-lo em São Paulo, inclusive o nosso centro no Hospital Oswaldo Cruz. Os resultados são muito interessantes. Infelizmente, o acesso ainda é limitado nos convênios de saúde e no SUS. Temos percebido uma queda sensível dos níveis de pressão arterial em pacientes portadores de HAR, com diminuição da quantidade de medicamentos e menor incidência de crises hipertensivas. Um paciente que tratamos recentemente vinha usando regularmente seis classes de anti-hipertensivos em altas doses, tendo sofrido uma internação a cada três ou quatro semanas. Esse paciente está há mais de dois meses sem internação e com doses pouco menores de medicamentos, sentindo-se mais seguro e com melhor qualidade de vida. Essa tecnologia parece ser eficiente e trazer uma luz no fim do túnel para esse grupo específico de pacientes. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1204 DE CARTACAPITAL, EM 20 DE ABRIL DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Hipertensão em foco”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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