

Opinião
O Brasil real é Ariano
O escritor paraibano é fonte de resistência e inspiração, a antítese de Bolsonaro. Suas armas eram “o riso a cavalo e o galope do sonho”


Na semana que passou, o Partido Socialista Brasileiro realizou em Paraty, litoral do Rio de Janeiro, o primeiro de uma série de eventos anuais em razão da comemoração dos 100 anos de Ariano Suassuna, este grande e célebre escritor brasileiro que foi um dos fundadores da nossa agremiação socialista, e encerrou sua participação na política brasileira como seu presidente de honra. Ariano tinha uma paixão: o povo brasileiro. Dedicou sua vida inteira a ser voz da luta por uma sociedade mais justa, igualitária, orgulhosa do Brasil e dos brasileiros.
Paraibano, boa parte de sua vivência se deu no sertão nordestino, que ele costumava chamar de Brasil Real. Mais tarde, em revisão às suas próprias teses, percebeu que o termo Brasil Real era extensivo às comunidades pobres presentes também nos grandes centros urbanos. Para Ariano, o Brasil era um constante embate entre o Brasil Real e o Brasil Oficial. Com humor e elementos da cultura popular nordestina, ele tecia obras com críticas sociais incisivas, extremamente identificadas com as doutrinas socialistas cristãs. “A meu ver, enquanto houver um miserável, um homem com fome, o sonho socialista continua”, disse uma vez.
Esse realista esperançoso, em outra oportunidade, pontuou que se inspirava no pensador francês Jacques Maritain, pois, assim como ele, acreditava que o Brasil estava destinado a realizar o mais belo sonho no campo político: um regime em que pela primeira vez estivessem juntas a justiça e a liberdade. Certa feita, em entrevista ao programa Roda Viva, realçou que, em razão das injustiças, estava presenciando coisas imperdoáveis na política brasileira, a exemplo da privatização de empresas públicas essenciais à soberania do País e a tentativa de extinguir a Sudene.
Ariano era um patriota contundente, grande defensor do tecido cultural brasileiro, especialmente o nordestino, e totalmente avesso à inserção de anglicismos em nossa cultura. “Não troco o meu oxente pelo ok de ninguém”, repetia sempre. A cultura do Nordeste, uma das facetas da expressão brasileira, e onde também surgiram Josué Montello, Graciliano Ramos, Jorge Amado, Raquel de Queiroz e tantos outros, é rica e singular, resultado de criação popular com os pés fincados no chão árido e ao mesmo tempo tão frutífero. É a soma de música, teatro, poesia e dança, cuja maior manifestação são as festas do período junino, que agora estamos vivenciando com tanta alegria. É essa cultura que nos define e de onde surgem as marcas capazes de apontar um brasileiro em qualquer canto do mundo.
Forte e altiva, orgulhosa de si e de suas manifestações, a cultura nordestina também é alvo de enfrentamento político. Por exemplo, nos dias atuais são constantes os ataques do presidente da República e de seus asseclas, difundindo graves preconceitos regionais para com o povo nordestino e suas tradições. Tempos atrás, na tentativa de ofender, Jair Bolsonaro chamou governadores nordestinos de “paraíbas”, como se fosse ofensa ser da terra de onde saíram Ariano Suassuna e Celso Furtado. De lá para cá, mais termos foram usados para descrever o povo nordestino, como “pau de arara”, “cabeças chatas”e outros que não valem a pena ser relembrados.
Esse mesmo presidente bate continência à bandeira dos Estados Unidos, tenta a todo custo acabar com a Amazônia e os povos que nela vivem, é adepto de práticas indecorosas, organiza milícias para atacar instituições, ri de brasileiros no leito de morte e segue uma sanha para privatizar empresas públicas superavitárias. Trago esses tristes destaques para comprovar uma afirmação: Ariano Suassuna é uma nítida representação do sentimento antibolsonarista. Ele defendeu, a vida inteira, aquilo que Bolsonaro rechaça: orgulho autêntico do Brasil e do seu povo, bem como sentimentos de fraternidade, solidariedade, humanismo.
Ariano é sinônimo de resistência. Não deve ser esquecido jamais, pois inspira, todos os dias, o Brasil Real a lutar por dias melhores. Sigamos, neste ano desafiador para todos nós, os conselhos de Ariano: “Tenho duas armas para lutar contra o desespero, contra a tristeza e até contra a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura e fascinante tarefa de viver”. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1214 DE CARTACAPITAL, EM 29 DE JUNHO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O Brasil real é Ariano”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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