Justiça

O Brasil não parou por João Pedro Mattos

Muitos querem que o assassinato de João Pedro seja assunto do passado. Mas, para aqueles cujas vidas negras importam, sua morte é presente.

(Foto: Reprodução/Twitter)
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João Pedro Mattos, o menino de 14 anos que queria ser advogado e estava em sua casa brincando com seus primos, foi assassinado. O menino foi assassinado. O menino foi assassinado. O menino foi assassinado.

A não ser a família do menino, a não ser as pessoas que historicamente choram as mortes aos montes de crianças negras, ninguém mais fala disso. Fora essas pessoas, ninguém perguntou quem mandou atirar, quem foi o covarde que mandou outro covarde atropelar os limites da covardia e atirar. Queremos nomes, isso não é assunto do passado. Ninguém perguntou às autoridades quanto ódio racial carregavam os homens covardes que atiraram em crianças, que metralharam uma casa de crianças. Ou perguntou quem foi esse que comandou aqueles outros. Ou perguntou quem se dispôs a desaparecer com o corpo. Ou perguntou para onde foi levada a criança. Ninguém perguntou que médico a atendeu. Ninguém perguntou por que raios, tendo havido médico, não ficou a criança, viva ou morta, a seus cuidados. A mídia mais preocupada em dizer quem é inocente, quem é culpado e, portanto, merece que sua casa seja metralhada, aparentemente está muito ocupada para fazer um trabalho decente.

A não ser essas pessoas, negras em sua grande maioria, que historicamente lutam em um país desigual, ninguém perguntou qual foi o percurso que fizeram com o corpo de João Pedro. Ninguém perguntou ao Governador, de verdade, o que ele tem a dizer à família de João Pedro. Ninguém perguntou o que o Governador, que orientou seus policiais a “mirarem na cabecinha” e atirarem, o que ele tinha a dizer sobre isso. Ninguém perguntou quem planejou e quem deu o destino de homens armados matadores de crianças. Ninguém apareceu envergonhado e desesperado pelo racismo necro que se alimenta do sangue de crianças negras. Ninguém apareceu dizendo que dói, dói, dói profundamente tudo isso. Ninguém apareceu agônico, sem ar, sem voz, sem passos, andando em círculos.

Tudo o que se sabe é que o menino foi assassinado. Tudo o que se tem é o corpo de João Pedro. Pareceu ser o suficiente aos canalhas covardes que o mataram que se devolvesse o corpo do garoto aos pais. Pareceu o suficiente o silêncio do Governador. Um lamento e nada mais. Pareceu o suficiente uma nota burocrática dissesse que irá haver investigação. Claro que irá haver investigação, o que ninguém perguntou é quem irá investigar, ninguém perguntou por que raios novamente não estão os policiais e aquele que comandou a operação presos. Ninguém perguntou por que é tão fácil prender pretos e tão difícil prender policiais assassinos, seus comandantes assassinos e seus governantes assassinos, todos assassinos públicos de uma criança preta.

Irão investigar e alguém se lembrará que os assassinos públicos atuam sob forte tensão que os leva a fuzilar uma criança preta, a metralhar uma casa onde dormem crianças pretas. Alguém se lembrará que a guerra (maldita) contra o crime impõe baixas civis. Alguém se lembrará que alguma coisa deveria ocorrer nas proximidades daquela casa e, se erros existem, eles nascem da atividade criminosa, jamais dos bravos assassinos públicos.

Ninguém, a não ser quem sabe que vidas negras importam, quis saber que tipo de policiais são escolhidos para uma diligência que resulta numa criança assassinada. Ninguém quis saber qual critério para, dentre os muitos policiais, escolher-se a dedo letal aqueles que disparariam contra crianças, que jogariam bombas para dentro de uma casa, sem que se cuidasse de saber quem de fato estava em seu interior. Ninguém quis saber por que motivos ninguém perguntou a razão de não terem tocado a campainha, batido na porta, batido palmas no portão, como se faz em qualquer porta de qualquer casa seja casa branca seja casa preta.

A não ser quem luta por justiça racial, a custo alto de prejuízo de saúde mental e de emoções dilaceradas nesse país racista, ninguém quis saber de nada. O medo coletivo da morte trazido pela pandemia silenciou a todos. O Governador, que já foi atingido pelo vírus, certamente, não tem tempo para indignar-se diante do assassinato de uma criança. Outro dia ele estava comemorando a letalidade da polícia. Outro dia estava no palanque falando de “cabecinhas”. O Governador cuida do vírus, as crianças assassinadas que esperem, que aguardem na fila da discriminação e dos esquecimentos. O Governador não tem tempo para indignar-se ou oportunidade para desesperar-se com uma polícia que é capaz de atirar em uma criança, apoderar-se de seu corpo, desaparecer com o corpo do garotinho, não dar nenhuma satisfação à família dilacerada.

O menino foi assassinado. O menino foi assassinado. O menino foi assassinado.

Mas nem o Governador, nem a mídia, nem nenhuma instituição dominada por pessoas brancas se importam.

Todo o resto é silêncio.

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