Paulo Nogueira Batista Jr.
[email protected]Economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países
As vantagens de regionalizar, além de internalizar, as cadeias de produção
A importância da integração do Brasil com a sua vizinhança cresceu com a chamada “desglobalização”, na esteira da pandemia da Covid-19 e das consequências da guerra na Ucrânia. Depois desses dois choques monumentais, os países que prezam a sua autonomia e segurança se deram conta de que não podem continuar na dependência de cadeias produtivas longas, de uma ponta a outra do planeta. Iniciou-se assim um movimento de nacionalização ou regionalização da produção de bens e insumos estratégicos. Reshoring ou nearshoring são as expressões em inglês.
As empresas brasileiras já estão tomando esse rumo e precisarão continuar a fazê-lo nos próximos anos. Em muitos casos, pode ser vantajoso para nós e outros países latino-americanos regionalizar e não apenas internalizar as cadeias de produção.
Independentemente desses choques recentes, a cooperação com os nossos vizinhos sempre foi importante. O Brasil tem fronteiras com quase todos os países sul-americanos, à exceção do Chile e do Equador. Compartilhamos com sete outros países a Amazônia, bioma fundamental para o nosso futuro e do resto do planeta. Temos todo interesse em ter uma vizinhança próspera e estável. A prosperidade deles alimentará a nossa, e vice-versa.
Uma ressalva, entretanto. A integração latino-americana e caribenha, ou mesmo a sul-americana, não pode ser profunda como a europeia. A formação de um bloco no estilo europeu e até formas menos ambiciosas de integração não são viáveis nem atendem ao interesse nacional brasileiro. A nossa vizinhança, infelizmente, avançou muito em certas formas de integração subordinada aos Estados Unidos. Isso ocorreu tanto no plano comercial quanto no plano monetário. E buscar uma integração profunda com países que abdicaram em grande parte da sua soberania significaria nivelar o Brasil por baixo. Apesar disso, as possibilidades de cooperação são vastas e ainda inexploradas. Alguns exemplos, entre muitos.
Para reduzir o papel do dólar e aumentar a integração comercial, um caminho é partir do que já vem sendo feito no comércio intra-Mercosul: um sistema de pagamentos em moeda nacional, que “bypassa” o dólar e reduz os custos de transação. O mecanismo abarca por enquanto os Bancos Centrais do Brasil, da Argentina e do Uruguai. Cabe verificar se é possível ampliá-lo para outros países da América do Sul e mesmo de outras regiões.
Pode-se considerar, também, a criação de um fundo monetário regional, destinado a prover financiamento emergencial de balanço de pagamentos, a exemplo do que existe no Leste da Ásia (Iniciativa de Chiang Mai) e nos BRICS (Arranjo Contingente de Reservas – ACR). Para não colocar as reservas internacionais brasileiras em risco, deve-se limitar o arranjo a Brasil e países pequenos da nossa região e de outras partes, fixando critérios rigorosos de acesso. Há formas de fazê-lo sem ofender ninguém.
Muito importante é encontrar formas de viabilizar investimentos de infraestrutura na região, especialmente aqueles que favoreçam o comércio intrarregional – a chamada trade-enabling infrastrucutre. Para isso é fundamental recuperar as empreiteiras brasileiras e a capacidade de atuação internacional do BNDES.
Existem, também, boas alternativas de financiamento multilateral na região, algumas sob controle dos nossos países. Uma delas é o Banco de Desenvolvimento da América Latina, ainda conhecido por sua antiga sigla CAF (Comunidade Andina de Fomento). Trata-se de um banco eficiente e ágil, que serviu, inclusive, de referência quando estávamos criando o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS. E mesmo bancos multilaterais que não estão sob nosso controle regional podem ter papel importante. É o caso do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BID, notadamente.
A governança do Banco Mundial, assim como a do FMI, e mesmo a do BID, restringe as nossas possibilidades de atuação nessas entidades. Não foi por outra razão que nos juntamos aos outros BRICS para criar um fundo monetário (o ACR) e um banco de desenvolvimento (o NBD). Até hoje, só o Uruguai entrou como sócio do NBD. Cabe promover o ingresso de outros países da região, para que eles possam se beneficiar de financiamentos de prazo longo e custo atraentes. Não só para infraestrutura, mas também para projetos de desenvolvimento sustentável.
Isso nos leva a outra área central – a Amazônia. Os países amazônicos devem apresentar, na medida do possível, uma frente comum para promover o desenvolvimento sustentável e atuar na cooperação com outros países e em fóruns e acordos internacionais dedicados à questão ambiental.
Se não cometermos o crime de reeleger o atual presidente da República, teremos a oportunidade de avançar muito nesses e em outros temas de interesse da nossa região. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1206 DE CARTACAPITAL, EM 4 DE MAIO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O Brasil e seus vizinhos”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Tenha acesso a conteúdos exclusivos, faça parte da newsletter gratuita de CartaCapital, salve suas matérias e artigos favoritos para ler quando quiser e leia esta matéria na integra. Cadastre-se!
Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.
Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.