

Opinião
O banimento de estrangeiros em Harvard e o retrocesso democrático nos EUA
Cercear a autonomia universitária, banir estudantes por manifestarem suas opiniões e permitir que governos abusem de seu poder para definir quem pode estudar significa retroceder décadas


No último mês, o governo Trump anunciou, através do Departamento de Segurança Interna dos EUA, a revogação do certificado ‘SEVP’ de Harvard, o qual permitia que a instituição matriculasse ou mantivesse estudantes internacionais e intercambistas. Estes estudantes representam, atualmente, 27% do corpo discente da instituição. A medida foi justificada sob a alegação de que a universidade, que tem contestado abertamente decisões do atual governo, teria se recusado a cumprir novas determinações, como a eliminação integral de ações afirmativas e políticas de inclusão.
Em pronunciamento sobre a questão, o presidente norte-americano afirmou que existem americanos “que querem estudar em Harvard ou outras universidades, mas não podem, pois há estudantes estrangeiros nelas”. Além disso, Trump associou estes mesmos estudantes a ações terroristas que ocorreram nos EUA, afirmando que não quer “ver shopping centers explodindo […] ou rebeliões como as que ocorreram”. O presidente se referia a protestos que ocorreram em 2024 sobre o conflito entre Israel e Palestina, nos quais alguns foram pacíficos e outros muito disruptivos, como no caso de Columbia.
Mas qual a relação dessa medida com a democracia norte-americana? A ação de Trump constitui um exemplo evidente de deterioração democrática. O uso de mecanismos legais para silenciar opiniões dissidentes e minar a confiança institucional, reduzindo a diversidade do debate público, representa uma prática antidemocrática e, em última instância, autoritária. É evidente que ações que ameacem a segurança de estudantes, professores ou cidadãos devem ser coibidas. Contudo, a manifestação de opiniões controversas é saudável e necessária para uma democracia.
A decisão de Trump foi suspensa temporariamente, após um recurso protocolado pelos advogados da universidade. Embora a medida judicial represente um alívio pontual, não elimina a ameaça subjacente. Cercear a autonomia universitária, banir estudantes por manifestarem suas opiniões e permitir que governos abusem de seu poder para definir quem pode estudar significa retroceder décadas de progresso democrático.
É fundamental defender a democracia e, sobretudo, o direito à livre expressão, mesmo quando as opiniões em questão são ácidas, polêmicas ou contrárias às nossas convicções. O mesmo poder usado hoje contra quem discorda pode ser usado amanhã contra quem concorda. Abrir espaço para o autoritarismo é um caminho sem volta.
por Fernanda Trompczynski, estagiária de pesquisa no Instituto Sivis
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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