O ato de conversar

Trazer racionalidade para as eleições será tarefa das mais importantes, pois a fragmentação é bem diferente da diversidade

'Inteligência são ligações, conversas que permitam leituras mais profundas'. Foto: iStockphotos

Apoie Siga-nos no

Mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente aprende
João Guimarães Rosa

Se há conexão em tudo, é difícil pensar que esse desastre mundial não esteja em relação com o nosso comportamento diante da realidade
Papa Francisco, na Encíclica Irmãos Todos

 

A física quântica demonstra que, efetivamente, há conexões entre todas, todos e tudo.

A fotografia do universo a corrobora, assim como as sinapses cerebrais.

 


 

Com efeito, inteligência são ligações, conversas que permitam leituras mais profundas.

Freud percebera a complexidade e, por essa razão, alertava para o perigo de termos “espaços fechados” em nossas cabeças, em que essas correntes não pudessem fluir, limitando, nossa inteligência, percepção e raciocínio.

O que seriam esses “cômodos blindados”? Nossos traumas, nossos medos, fantasmas, preconceitos e todo tipo de sentimento não racional, negativo.

O contrário, as religiões captaram, seria a conversão, na etimologia, o “verter” junto, daí “conversa”, o ato de duas ou mais pessoas trocarem ideias, e “converso”, aquele que passou por conversão. No feminino, a assimilação de um princípio ao outro fica ainda mais evidente: “conversa” designa tanto a troca de impressões entre duas ou mais pessoas quanto a mulher que se converteu a alguma religião.

De fato, a coincidência de “versões” permite entender a adesão dos militares ao projeto político dos milicianos, primeiro no Rio de Janeiro e depois no Brasil.

Não diferem as linguagens: ambos coincidem, no geral, em legitimar a “proteção”, extorsão, uma vez que as vítimas não têm escolha e que as armas, na verdade, estão voltadas para elas, sendo disparadas em caso de rebeldia ao acosso.

De fato, a intervenção militar no Rio de Janeiro em nada prejudicou ou diminuiu o poder das milícias, que, afrontando as armas legais dos militares com armas ilegais, assassinaram em pleno centro do Rio de Janeiro a vereadora Marielle Franco e o motorista da Câmara de Vereadores Anderson Gomes.

Decorre que não se pode esperar que haja ruptura.

Prova disso, o militar que não se conformou foi severamente punido: o Almirante Othon, especialista em física nuclear, preso e torturado psicologicamente.

Nesse sentido, vale citar Leonardo Boff, em “O Senhor é meu Pastor”, volume editado pela editora Vozes: “Onde vigora cuidado o medo deixa de existir (do qual nasce a violência) e surge a confiança e o sentimento de proteção”.


Por essa razão, um projeto de morte não pode conviver com um Serviço Único de Saúde que cuide das pessoas, pois a necropolítica se alimenta do medo e da violência que impedem as pessoas de raciocinar, respondendo por impulsos ditados pelo medo e a violência, que as impede de distinguir a verdadeira da falsa proteção.

Não foi dessa forma que Bolsonaro ganhou as eleições? Gerando medo a vários fantasmas imaginários, deslocou do campo político a racionalidade e introduziu, no lugar, medos, crendices e violência.

Ilustra Leonardo Boff: “Nunca os seres humanos, em sua história, se mostraram tão lobos uns para com os outros. Nunca houve tanta riqueza e, simultaneamente, nunca tanta miséria e injustiça”.

Como isso foi possível? Retirando o pensamento, o raciocínio do campo político, como Salazar, Franco, Hitler e Mussolini – além dos golpistas de 64 e 2016 no Brasil – fizeram antes.

Dai, a importância das igrejas nas eleições, sendo muitas delas instrumentalizadas, para que os pobres, obnubilados, votem no projeto dos ricos, daqui e do exterior.

Boff complementa: “Sem um pacto de cuidado de uns para com os outros, garantindo as condições para a paz, poderemos ir ao encontro do pior, à bifurcação da família humana. Uma parte, a opulenta, não reconhece mais a outra, a pobre, como semelhante, como se não pertencesse mais ao mesmo gênero humano”.

Ouvindo o discurso da extrema-direita brasileira, que fala em “direitos humanos para humanos direitos”, vemos já termos chegado a esse cenário de segregação nazista, que se evidencia com o decreto de Bolsonaro para segregar os estudantes com necessidades especiais, exatamente como Hitler fizera com os doentes mentais, os primeiros a serem assassinados em massa, em câmaras de gás (disfarçadas de ambulâncias).

Na passagem de mais um dia dos finados, ganham ainda mais importância estas palavras de Leonardo Boff: “Para que haja paz precisamos cuidar que o corpo tenha uma alimentação suficiente para todos, que ele possa respirar um ar puro, beber uma água pura e pisar um solo não envenenado. Cuidar do corpo é cuidar do sopro que o habita para que se possa alegrar em viver, irradiar e enfrentar sua mortalidade com serenidade e leveza”.

Trazer racionalidade para as eleições que se aproximam será tarefa das mais importantes, à direita como à esquerda, pois a fragmentação é bem diferente da diversidade. Que os candidatos a vereador sejam o quanto mais diversos, mas que as candidaturas democráticas a prefeito e prefeita (que também as há não democráticas – e são maioria) espelhem a unidade, marca do bem que se contrapõe e vence a divisão, signo incontroverso do mal.

 

Leia também

Para proteger e incentivar discussões produtivas, os comentários são exclusivos para assinantes de CartaCapital.

Já é assinante? Faça login
ASSINE CARTACAPITAL Seja assinante! Aproveite conteúdos exclusivos e tenha acesso total ao site.
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

0 comentário

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.