Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

O assassinato de Bárbara Vitória e o Brasil que não protege a vida das meninas

A cada hora, ao menos quatro meninas de até 13 anos são estupradas no Brasil

Imagem: Reprodução/Facebook
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Ao longo desta semana, ganhou o noticiário mais um caso de violência sexual contra meninas: depois de dois dias de buscas, o corpo de Bárbara Vitória, 10 anos, foi encontrado seminu à beira de um campo de futebol, em um bairro do município de Ribeirão das Neves/MG. Ao que tudo indica, Bárbara também sofreu estupro. No laudo inicial do IML, constatou-se morte por estrangulamento.

Os últimos momentos de vida de Bárbara Vitória foram registrados pela câmera de segurança da padaria em que a menina havia ido comprar pão a pedido da mãe. Na ocasião, Bárbara vestia uma camisa do Clube Atlético Mineiro, meu time do coração. Pouco tempo depois, câmeras instaladas próximas à sua casa a mostraram correndo. Ainda não é possível afirmar se Bárbara tentava fugir do seu algoz. As investigações da Polícia Civil estão em andamento. Na quarta-feira, dia do seu enterro, Bárbara Vitória recebeu homenagem da torcida do Galo, na partida contra o Palmeiras, válida pela Taça Libertadores da América.

A padaria, o percurso feito por Bárbara antes de morrer, o local em que seu corpo foi encontrado, eu conheço bem. Por dois anos, dei aulas em uma escola da região. É bem provável que eu tenha conhecido, sido professora de algum parente, vizinho, amigo de Bárbara Vitória. Infelizmente, a localidade em que a filha mais velha de Luciene Vitalino perdeu a vida é marcada pela pobreza, pela violência, pela negligência por parte do poder público. Ribeirão das Neves integra a lista dos municípios mais pobres do país.

Bárbara Vitória se junta a milhares de crianças e adolescentes que todos os anos se tornam vítimas da violência de gênero. As estatísticas são estarrecedoras, de causar pavor, vergonha e indignação em relação às violações de direitos que têm sido toleradas pela sociedade brasileira. Segundo o Instituto Liberta, a cada hora, ao menos quatro meninas, com idade até 13 anos, sofrem estupro no Brasil. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, somente em 2021, 30 mil garotas passaram por essa experiência repulsiva e traumatizante.

A interrupção dos sonhos de Bárbara Vitória ocorre em um contexto de total destruição das políticas públicas de proteção da vida de mulheres e meninas por parte do Governo Federal. Somente em 2020, mais de R$ 298 milhões deixaram de ser destinados ao Programa Nacional de Assistência à Criança e ao Adolescente. O cenário se repete no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. O levantamento feito pelo INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos) apontou que, em 2022, a pasta teve o menor orçamento dos últimos quatro anos. A negligência, o descaso para com a vida das meninas, reflete-se também na fala recente da ministra Damares Alves. Ao ser questionada sobre o estupro de uma criança yanomami, ela se limitou a dizer: “Lamento, mas acontece todo dia”.

A padaria, o percurso feito por Bárbara antes de morrer, o local em que seu corpo foi encontrado, eu conheço bem. Por dois anos, dei aulas em uma escola da região

O menosprezo do poder público soma-se à cultura do estupro, que já nos primeiros anos de vida põe as meninas em situação de risco, de vulnerabilidade. Via de regra, o corpo feminino vem sendo tratado como algo que pode ser violado, consumido tal qual uma mercadoria qualquer. Lamentavelmente, essa cultura se alastra, inclusive nos órgãos de proteção social, como fóruns, tribunais, delegacias, hospitais e conselhos tutelares. Muitas vezes, ao chegarem nesses espaços, meninas e mulheres têm a palavra questionada, são culpabilizadas pela violência das quais foram vítimas, o que impede e dificulta um número maior de denúncias.

Assim como ocorreu com Bárbara Vitória, a uma infinidade de meninas tem sido negado o direito de viver de maneira plena, feliz, com proteção e segurança. De maneira urgente, é preciso pôr fim a esse ciclo de violência que castra sonhos, interrompe vidas e rouba do Brasil milhares de talentos.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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