

Opinião
O apoio incondicional ao presidente custa cada vez mais caro aos bolsonaristas
O apoio à cruzada do presidente contra a democracia, a ciência e as lutas civilizatórias põe em risco carreiras, reputações e liberdades


Você certamente tem amigos ou parentes racistas, homofóbicos e misóginos (elitistas, enfim). Mas que, até a ascensão do bolsonarismo, escondiam-se atrás do que antes chamávamos de “social-democracia”. A partir de 2016, no que seria o início da ascensão do bolsonarismo no Brasil, houve uma reorganização da estrutura social brasileira. Não somente nos âmbitos coletivos (trabalho, clube, mercado etc.), mas no cerne das famílias e das relações mais próximas.
Melhores amigos brigaram. Irmãos discutiram. Pais e filhos, aos gritos, se desentenderam . Foi um período muito conturbado. Sob o bolsonarismo, aquele tio que faz piadinhas no almoço sobre gays e negros e que diz que mulher não sabe dirigir mostrou a cara.
Mais de 605 mil mortos depois e diante de um colapso estabelecido em todas as searas da vida brasileira, as poucas figuras que ainda defendem publicamente o bolsonarismo pagam um preço cada vez mais alto por isso.
Ao se alinharem à cruzada do presidente contra a democracia, a ciência e as lutas civilizatórias modernas, apoiadores como Sara Winter, Allan dos Santos, Daniel Silveira e Roberto Jefferson foram detidos ou tiveram as suas prisões decretadas. Ou seja, pagaram com a liberdade pelos erros que cometeram.
Outros dois exemplos de o quanto tóxico o bolsonarismo se tornou são os artistas Sergio Reis e Amado Batista. Depois de gravar um vídeo ameaçando o Judiciário e incitando atos antidemocráticos, o “menino da porteira” passou de astro a investigado pela Polícia Federal. Perdeu shows, contatos, prestígio e, para evitar a prisão, calou-se. Batista — assim como outros cantores sertanejos, alguns aconselhados pelo próprio Sergio Reis — enveredou pelo mesmo caminho: notificado pela Justiça a prestar esclarecimentos, também recuou.
Essa semana, o jogador de vôlei Maurício Souza foi dispensado pelo Minas Tênis Clube, após uma série de postagens homofóbicas feitas no Instagram. O atleta chegou a pedir desculpa, mas ainda assim foi demitido pelo clube, que afirmou, via Twitter:
COMUNICADO OFICIAL – MAURÍCIO SOUZA
O Minas Tênis Clube informa que o atleta Maurício Souza não é mais jogador do Clube.
— Minas Tênis Clube (de 😷) (@MinasTenisClube) October 27, 2021
Invariavelmente, os bolsonaristas recorrerm a dois argumentos falaciosos quando confrontados com as consequências das suas próprias escolhas e condutas: os valores da “família tradicional” e a liberdade de expressão.
Vale analisar ambos sob a luz da Constituição. Nesse contexto, a família (Art. 226) não exclui a possibilidade de outros modelos de entidade familiar: “§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas”.
Em seguida, o princípio da liberdade de expressão (artigos 5º e 220) consagra: “(…) é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato” e que fica impedida “(…) toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”. Evidentemente, essas resoluções não se aplicam para crimes previstos pela própria Carta Magna, como racismo e homofobia.
Crimes não se aplicam à categoria da liberdade de expressão, porque ferem o direito dos outros membros que constituem a República. Além de extremamente imorais, essas posturas caracterizam crimes e, conforme notamos de forma explícita no atual momento sociopolítico que vivemos, custam muito caro aos seus perpetradores.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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