Opinião

Novas formas de participação

O desafio atual para a cidadania parece ser a manutenção e ampliação os foros de participação, inclusive digitais

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Na era digital, até governar se faz pelas redes sociais. No entanto, a forma digital também induz à superfície, ao plano, ao raso. Um símbolo: a forma antiga de marcar as horas, mediante um ponteiro, que girava, foi substituída por superfície digital, sem antes ou depois, sem trajeto.
Mas o que não é profundo termina por demandar um certo calado, o fácil dista do complexo como o pobre do rico: muito. O paradoxo é justamente que o avanço da tecnologia libera o ser humano de muitas fatigas: o lavar a roupa e a louça; os meios de transporte mais rápidos e até as pesquisas, por meio do Google, por exemplo.
A mais tempo livre corresponde maior espaço para indagações existenciais, estas, por definição, profundas. Por exemplo, como selecionar leituras – desde aquelas de grupos do WhatsApp até periódicos e livros?
Disso decorre que a busca pela profundidade levou as indagações para dentro das igrejas, que, consequentemente, passaram a refletir posições bastante díspares. O caso da Igreja Católica é emblemático: a cúpula – o Papa Francisco e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – são progressistas, mas não a maioria do clero, escassamente formado em temas relacionados às ciências políticas.
No caso das igrejas evangélicas, o imenso espectro de denominações, por si só, indica a variedade de credos e ideologias que abrigam.
Nesse quadro, não causa estranheza que as noções de vida e morte sejam objeto de questionamentos, que vão da disseminação do medo e da culpa ao crescente número de suicídios. Por outro lado, conquistas recentes como a defesa de direitos humanos, a união homoafetiva e a própria criminalização da homofobia permanecem em pauta.
Em meio ao cipoal de informações, como discernir?
Um dos possíveis métodos pode ser “a vitalidade”, nas várias formas em que se manifesta: de participação; intercâmbio e até comunhão de ideais, reflexões e sonhos. O contrário dela, sua sombra, são o autoritarismo, o isolamento e a fragmentação preconceituosa, que, assimetricamente, correspondem, no plano político, a necro-políticas, ou políticas de morte, como batizadas por cientistas políticos africanos.
Considerando o instrumento, se do ponto de vista da participação as redes sociais são um facilitador inquestionável, de fácil acesso à maioria da população, rápido e simples, como podem facilitar também a verdadeira participação política?
A resposta é positiva, mas complexa. Para citar o caso emblemático de um país que passou por grande convulsão social, o Vietnã, com 95 milhões de habitantes, 30 estão inscritos no Facebook, mas a participação na gestão governamental continua sendo muito restrita, mais próxima de uma democracia representativa do que participativa.
No mesmo sentido, no Brasil e nos EUA, os chefes de Estado e demais membros do governo utilizam largamente as redes sociais.
Entretanto, se as redes permitem maior participação, por outro lado, também dão margem à manipulação social, como ocorreu em ambos os países durante as respectivas campanhas eleitorais.
De fato, ao cipoal da agora digital, ampla, mas rasa, sucedeu a busca da profundidade. Com efeito, a agora da eleição presidencial no Brasil parece ter sido as igrejas, que, hegemonizadas pelos respectivos setores reacionários, embalsaram a resposta conservadora às rápidas mudanças havidas no período de 2003 a 2016.
A projeção daquela  “necro escolha” eleitoral pode ser aferida pela importância desproporcional que cobrou o tema do aborto, denunciada até pelo Papa Francisco. Por outro lado, a tortura, a pena de morte e as execuções sumárias não fizeram parte das preocupações, ditas “religiosas”.
Portanto, o desafio atual para a cidadania parece ser a manutenção e ampliação os foros de participação, inclusive digitais, aliando, porém, a amplitude e a profundidade.
Evidentemente, não se trata de desafio de pouca monta, mas – como é sabido – a vida pode se sobrepor à morte.
Como no Gênesis – e em toda gênese, caberá começar por separar a luz das trevas, a vida da morte, o altruísmo (no sentido de capacidade de alteridade) do egoísmo, poderá ser um bom começo para ver, julgar e agir, tanto no plano interno, quanto no externo. Para isso, uma boa fotografia feita por Sebastião Salgado será mais útil do que todas essas minhas palavras.

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