Jafar Yousefi

Jornalista iraniano.

Opinião

Nobel da Paz ou Nobel da Hipocrisia?

Maria Corina Machado é o rosto moral a serviço de uma causa profundamente imoral

Nobel da Paz ou Nobel da Hipocrisia?
Nobel da Paz ou Nobel da Hipocrisia?
A líder oposicionista María Corina Machado, em manifestação em Caracas, em 9 de janeiro de 2025. Foto: Federico Parra/AFP
Apoie Siga-nos no

Há tempos o Nobel da Paz já não simboliza a paz, mas a lealdade: lealdade a uma narrativa única sobre o mundo, a uma ordem específica de poder e a um bloco que disfarça sua hegemonia sob gestos “humanitários”.

De repente, surge María Corina Machado, uma figura política quase desconhecida dentro da própria Venezuela, como vencedora do Nobel da Paz 2025. Não há conquistas concretas em favor da paz, nem consenso entre os diferentes setores da oposição. Por que ela? A resposta não está em Caracas, mas sim em Washington, Londres e Bruxelas.

Nos últimos anos, a Venezuela decidiu retirar seu petróleo do circuito do dólar, fortalecer alianças com China, Rússia e os Brics e construir uma soberania energética própria. Essa decisão, para o Ocidente, é um pecado imperdoável. E justamente quando os Estados Unidos atacam três embarcações venezuelanas, deixando dezenas de mortos e ameaçando novas operações militares, o “prêmio da paz” vai parar nas mãos de uma opositora alinhada à agenda de Washington. Ironias da história.

Talvez o aspecto mais poderoso do soft power ocidental seja essa coordenação invisível entre seus diversos braços — meios de comunicação, fundações, academias e plataformas digitais. Todos se movem na mesma direção quando se trata de fabricar um herói, de produzir uma “figura global” que enfraqueça a autodeterminação de um país por dentro.

No Brasil, quando os governos de Lula e Dilma decidiram seguir um caminho independente de Washington ampliando as relações com China e Rússia, e defendendo a Amazônia como patrimônio nacional, uma rede coordenada de pressões midiáticas, econômicas e judiciais começou a operar.

A Lava Jato, que surgiu sob o estandarte de uma cruzada anticorrupção, acabou convertida em arma de lawfare. Ao mesmo tempo, os grandes meios internacionais construíram uma imagem negativa dos líderes brasileiros, enquanto as instituições globais que deveriam agir com neutralidade escolheram o silêncio.

Exatamente o mesmo padrão hoje se repete na Venezuela.

O Nobel da Paz, nesse contexto, não é um reconhecimento moral, mas um instrumento político: um selo de legitimidade para as oposições funcionais ao poder global.

Sempre que um país decide caminhar por conta própria, aparece uma “figura inspiradora” coroada como símbolo da liberdade. Foi assim com Aung San Suu Kyi em Mianmar e agora com Machado na Venezuela.

A verdade é que o Nobel da Paz há muito tempo deixou de ser um árbitro imparcial. Por trás das cerimônias elegantes de Oslo, esconde-se a velha lógica do domínio: “ou estás conosco, ou estás contra nós.” Machado é produto dessa lógica. Um rosto moral a serviço de uma causa profundamente imoral.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo