Diversidade

No mês dedicado às mulheres, saudemos as mãos das nossas ancestrais em luta

Olhando para o caminho construído, tomamos força para seguir em frente, mesmo quando tudo se apresenta de modo tão difícil.

No mês dedicado às mulheres, saudemos as mãos das nossas ancestrais em luta
No mês dedicado às mulheres, saudemos as mãos das nossas ancestrais em luta
Foto: Amanda Oliveira/GOVBA
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Ser mulher num Brasil estruturalmente machista, racista e que enfrenta o desprazer da combinação mortal de pandemia e Bolsonaro faz da luta feminista um instrumento de existência e de continuidade.

Em 2020, a participação das mulheres no mercado de trabalho caiu e se refletiu até mesmo nos trabalhos mais precários, como o emprego doméstico e a informalidade. Segundo Dieese, a taxa de desocupação das mulheres subiu de 13,9%, em 2019, para 16,8%. Em se tratando de mulheres negras, o percentual subiu para 19,8%. Dados apontam um desemprego crescente no serviço doméstico, em razão da pandemia, de mulheres, sobretudo negras, que são arrimo de família e não possuem políticas públicas que possam as socorrer da fome que aumenta em casa.

Cresceu, também, a disparidade de remuneração entre homens e mulheres que desempenham as mesmas funções; o rendimento médio por hora e as denúncias de violência doméstica chegaram a 105 mil. Segundo dados do Anuário da Segurança Pública, os índices de estupro e feminicídio, historicamente altos, nunca foram tão altos.

Minha avó Adelice Assunção, a quem dedico esse texto.

Todavia, é preciso ter um olhar cuidadoso para perceber que a Covid-19 não trouxe, por si só, os problemas socioeconômicos que nos confrontamos, mas, ela, sem dúvida, fez submergir as facetas da profunda desigualdade de gênero e raça que há tempos sustenta uma minoria privilegiada neste país.

Agora, o que comemorar?

São inúmeras as conquistas de mulheres que fizeram (e fazem) de suas histórias de vida, uma história de luta. E, neste mês dedicado à luta feminista, quero reverenciar todas aquelas que, vivas ou encantadas, nos permitiram chegar até aqui. Cada uma a seu modo, com suas armas, seus saberes e suas formas de luta. Reverenciar não as “guerreiras incansáveis”, como gosta de nos incutir os aparelhos ideológicos patriarcais, mas as mulheres reais, aquelas que sentiam medo, insegurança, dor, raiva, e que muitas vezes falharam sem deixar de acreditar na transformação.

E escolhi fazer isso a partir do Ori de Adelice Assunção, minha avó Dedé – mulher preta, nordestina, periférica. Um Ori que conta a história de muitas mulheres que, como ela, tiveram que ser fortes.

Saúdo a baiana de Camamu, empregada doméstica, babá e mãe solo da década de 1940. Saúdo os galões de água colocados sobre sua cabeça às 04 da manhã para ajudar no sustento. Saúdo as mãos que preparou o ajeum, mesmo aquele feito na casa grande de dezesseis janelas. Saúdo a mãe extensa dos filhos da família branca e a ausência dos cuidados com os nossos.

Saúdo a poeira erguida pela palha da vassoura que limpou seu Templo de chão batido e de muros de ripas de madeira. Saúdo os calos firmes às pedras e os amassados da bacia de alumínio trazida junto ao colo com suas roupas lavadas pelas águas doces do Acarai. Saúdo a saia que cobriu suas pernas no Xirê. Saúdo seu silêncio, cada lágrima, cada dor. Saúdo a boca de sorriso tolhido e cada sonho subtraído.

Saúdo a sua história, não as mazelas de um sistema torpe!

Até porque sabemos que para as costas sobre as quais as ‘chibatas’ não doem; para as vulvas que os médicos não tocam ou para os corpos sobre os quais a violência se naturaliza, não há Dia nem Mês das Mulheres para comemorar. Para quem não tem a humanidade reconhecida, não há condição de mulher.

Ainda assim, saúdo as mulheres, porque tenho esperança e só conheço a minha luta por saber de onde eu vim.

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