Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

No meio do caminho do livro tem uma pedra

‘Escrevo pouco enquanto as horas passam por cima da minha cabeça’

Foto: iStock Foto: iStock
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Plantar uma árvore, já plantei. Plantei mais de uma, três. A primeira foi ainda jovem, um flamboyant na Rua Rio Verde que, com o tempo, uma semente virou uma árvore de verdade. Morreu vítima do progresso.

A segunda plantei num vaso apertado na varanda do apartamento que alugávamos na Avenida Higienópolis. Uma nespereira, que foi crescendo, atingiu mais de dois metros de altura, atingiu o teto e chegou a dar alguns cachos de nêsperas nanicas, nada vistosas, que ainda verde murcharam. Até hoje está lá, vejo quando passo, de tempos em tempos.

A terceira árvore plantei recentemente. Um abacateiro, também na varanda do apartamento onde moramos na Lapa. O caroço brotou dentro de um vaso preto vietnamita e, a cada dia, ele crescia alguns centímetros. Quando atingiu metro e meio, foi transplantado para a Praça Senador Leite, no Alto da Lapa.

Filhos, tive quatro. Julião e Sara do primeiro casamento, Maria Clara e Marilia do segundo. Adultos, acompanham o dia a dia da minha saga de ter filhos, plantar árvores e escrever livros.

Livros, escrevi nove, um pela Contexto, dois pela e-galáxia e seis pela Editora Globo. O décimo é que está sendo o X do problema. Os nove livros publicados foram escritos num fôlego só, apesar da dificuldade de pesquisa, de revirar baús, reler mais de duzentos cadernos de anotações. Mas acabaram saindo com uma certa facilidade.

O que acontece com o décimo livro chamado O ano em que você nasceu, não sei. São cinquenta capítulos, de 1.950 ao ano 2.000. Depois de fazer uma longa e minuciosa pesquisa, sento e escrevo uma crônica sobre os 365 dias de cada ano.

Quem nasceu, quem morreu, quem era o presidente da República, qual era a moeda que usávamos, como era a moda, que filmes estavam em cartaz, que automóveis circulavam nas ruas, que revistas estavam dependuradas nas bancas, quais os livros mais vendidos, as peças de teatro em cartaz, as músicas que tocavam nas rádios, quem ganhou o Nobel da Paz, as manchetes dos jornais e muito mais.

O livro andava bem até que o Jornal Nacional anunciou que a Organização Mundial de Saúde havia decretado pandemia ao vírus que começou silencioso lá em Wuhan e foi se espalhando pelo mundo.

Quando chegou aqui, bateu na minha porta, não atendi, me recolhi, fechando janelas e basculantes. Encolhido, pensei com os meus botões: sem ter de sair cedo para a firma, sem passar o dia fora, agora esse livro sai rapidinho. Foi aí que ele estancou. Não me pergunte o porquê. Não via a hora de chegar em 1.968, o ano que não terminou, mas empaquei em 1.958.

Escrevo pouco enquanto as horas passam por cima da minha cabeça.

Roberto Drummond, o autor de A Morte de DJ em Paris, passou dez anos escrevendo Sangue de Coca-Cola. Na verdade, durante os quatro, cinco, seis primeiros anos, ele tinha apenas o título, que é muito bom, mas nenhuma linha escrita. Era uma ideia na cabeça e uma caneta na mão, num tempo em que escrevíamos livros à mão.

Tenho dois amigos que estão, há anos, escrevendo duas biografias, uma sobre o ex-presidente Lula, outra sobre o Drummond, não o Roberto, o Carlos. Nem pergunto mais a eles como andam as obras, quando saem. Vai que perguntam sobre O ano em que você nasceu e eu vou ficar com uma cara de tacho, como diria minha mãe.

Depois deste, já tenho um outro na cabeça, a biografia do Edson Luís de Lima Souto, o garoto de 16 anos morto na porta do restaurante Calabouço, no Rio, assassinado pela polícia da ditadura militar.

Na verdade, já tenho também um terceiro rascunhado – Iara – um livro infantil que será ilustrado por uma outra Iara que deve estar lá esperando o texto por zap. Vou falar baixinho, vai que ela escuta.

Bem, deixa eu voltar para O ano em que você nasceu… Não tenho tempo a perder.

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