Opinião

No dia da pátria, sejamos mais brasileiros e brasileiras do que nunca

Tenta-se medir as manifestações deste 7 de setembro comparando as favoráveis ao desgoverno com as que denunciam o genocídio

Em Brasília, manifestantes pedem "Fora Bolsonaro". Foto: Sergio Lima / AFP
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“Uma ideia enganada continua enganada, mesmo quando compartilhada pela maioria.”
Leon Tolstoi.

No contexto político que vivemos, após o golpe de estado de 2016, multiplicam-se as névoas. O medo, principalmente, pode nos confundir a vista, das luzes, dos faróis.

Por exemplo, tenta-se medir as manifestações deste 7 de setembro, data da Independência nacional, comparando as favoráveis ao desgoverno com as que denunciam o genocídio.

A mera comparação entre vida e morte deveria ser ociosa, mas a esse paradoxo chegamos.

Sim, o mal foi banalizado, sendo esse um dos objetivos da extrema-direita, hoje e sempre, como Hanna Arendt bem refletiu em sua obra magistral.

O cotejar parece não apenas cruel, mas também impossível.

Compara-se David a Golias? Colocam-se ambos sobre o mesmo patamar o opressor e o oprimido?

A propósito, nosso bom padre Antônio Vieira refletira no Sermão de Santo Antônio aos Peixes, pregado em São Luiz do Maranhão, em 1661: “Quarenta dias contínuos esteve armado no campo, desafiando a todos os arraiais de Israel, sem haver quem se lhe atrevesse; e no cabo, que fim teve toda aquela arrogância? Bastou um pastorzinho com um cajado e uma funda, para dar com ele em terra.”

A justiça, a razão e o bem comum não podem ser equiparados aos seus contrários, em nenhuma hipótese, por definição.

Sobre confusões, socorre-nos também o Padre Vieira: “…Cristo tomava as palavras da Escritura em seu verdadeiro sentido, e o Diabo tomava as palavras da Escritura em sentido alheio e torcido; e as mesmas palavras, que tomadas em verdadeiro sentido são palavras de Deus, tomadas em sentido alheio são armas do diabo.”

De fato, uma forma de tentar enxergar através da neblina é buscar parâmetros, referenciais sólidos, verdadeiros.

Ajuda-nos, ainda, o Padre Vieira ao recordar: “Fábula tem duas significações: quer dizer fingimento e quer dizer comédia; e tudo são muitas pregações deste tempo.” (Sermão da Sexagésima, pregado na Capela Real, em 1655).

Ora, a embaixada dos Estados Unidos da América, aparentemente a regente do golpe de 2016, emitiu alerta para os cidadãos americanos para o dia 7 de setembro.

A Agência Central de Inteligência (CIA) não inova. Gerar medo sempre foi sua orientação para os golpistas locais, desde 1961, como sabemos pelos documentos recentemente desclassificados e tornados públicos.

Portanto, se todavia precisam gerar medo é porque a situação dos golpistas não é nada confortável, mais se assemelhando àquela de Golias.

Para deixar o lamaçal aos golpes e golpistas, busquemos as tão belas reflexões do escritor angolano, Pepetela, no romance Mayombe, a respeito da libertação da pátria, oportunas e necessárias para nós: “Os meus guerrilheiros não são um grupo de homens manejados para destruir o inimigo, mas um conjunto de seres diferentes, individuais, cada um com as suas razões subjetivas de lutar e que, aliás, se comportam como tal…o comunismo não será conquistado já, comigo em vida, que o mais que conseguiremos é chegar ao socialismo. São precisos muitos anos para vencer as relações de produção capitalistas e a mentalidade que elas deixam.”

Em Friedrich Engels – uma biografia, de Gustav Mayer, Engels, ao analisar a Alemanha de seu tempo, reflete em artigo de 1873: “…o poder real estava nas mãos de uma casta especial de oficiais e burocratas que pareciam superiores ao resto do povo e independentes dele, de modo que o próprio Estado parecia independente do povo. As contradições desse sistema social estavam fadadas a levar a um constitucionalismo simulado…Por mais que Engels odiasse a classe dos junkers (latifundiários militaristas), não se podia negar que eles estavam ansiosos para governar; e lamentou a ausência de tal ansiedade na burguesia alemã, que tinha comprado sua emancipação social do governo à custa do sacrifício imediato de sua reivindicação ao poder político.”

Em carta ao parceiro Karl Marx, de 13 de abril de 1866, Engels enfatizou: “Está ficando cada vez mais claro para mim que a burguesia, por si, não é capaz de obter nenhum controle real; portanto, a forma normal de governo é o bonapartismo, a menos que, como na Inglaterra, uma oligarquia possa assumir a tarefa de guiar o Estado e a sociedade segundo interesses burgueses – por uma rica recompensa. Uma semiditadura no plano bonapartista mantém os principais interesses materiais da burguesia, mesmo em oposição à burguesia, mas não deixa a ela nenhuma participação no controle dos assuntos do governo.”

No dia da pátria, sejamos mais brasileiros e brasileiras do que nunca, mas também sejamos mais latino-americanos e americanas, como no conto “A viagem da memória”, de Eduardo Galeano em Os filhos dos dias, da editora L&PM: “Em 1781, Tupac Amaru foi esquartejado, a golpes de machado, no centro da Plaza de Armas de Cuzco. Dois séculos depois, um menino descalço lustrava sapatos naquele exato lugar, quando um turista perguntou se ele conhecia Tupac Amaru. E o pequeno engraxate, sem erguer a cabeça, disse que conhecia. Quase em segredo, enquanto fazia seu trabalho, murmurou: É o vento.”

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