Opinião

No Brasil da extrema-direita, genocídio, desagregação social e violência

‘O Brasil é o terceiro país das Américas com o índice de Gini – que mede as desigualdades de renda – mais desfavorável’, lembra Milton Rondó

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: AFP
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“Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia, mas entre eles tudo era comum.’ Não é comunismo, mas cristianismo no seu estado puro.”
Papa Francisco.

Francisco continua encarnando o zeitgeist, o espírito do nosso tempo.

Em âmbito internacional e nacional, a concentração de renda nunca foi tão brutal como atualmente. Pior, a América Latina continua sendo a região com a maior concentração de renda e riqueza do mundo. O Brasil é o terceiro país das Américas com o índice de Gini – que mede as desigualdades de renda – mais desfavorável.

Leonardo Boff, em Brasil, concluir a refundação ou prolongar a dependência, recorda: “Sabemos hoje pelas Ciências da Terra que a lei básica que continua atuando na constituição do universo e de todos os ecossistemas é a energia, a simbiose e a relação de todos com todos, em todos os momentos e circunstâncias…Ao surgir o ser humano, há alguns milhões de anos, ao invés da competitividade e da subjugação, funcionava a cooperação. Concretamente, nossos ancestrais humanoides saíam para caçar, traziam os alimentos e os repartiam socialmente entre si….os símios superiores, dos quais nos diferenciamos em apenas 1,6% da carga genética…Esse 1,6% de ácidos nucleicos e bases fosfatadas que nos diferencia funda o humano enquanto humano, como ser de cooperação.”

Boff traduz aquela forma de organização cooperativa para o plano político e conclui: “Ora, a democracia é o valor e o regime de convivência que melhor se adequa à natureza humana cooperativa e societária.”

No Brasil da extrema-direita, porém, vivemos – sofrendo – todo o contrário, com os resultados que estão à vista de todos: genocídio, desagregação social, violência em todos os âmbitos da sociedade.

Nos Contos Argelinos, Lima Barreto, há um século atrás, diagnosticara os males que nos acometem desde sempre. Em Lima Barreto e a política, o organizador dos Contos Argelinos e outros textos recuperados, de Lima Barreto, Mauro Rosso, facilita-nos a compreensão do necrojantar acontecido na semana passada entre o genocida e empresários apoiadores da morte em massa, em São Paulo.

Com efeito, na introdução do conto A firmeza de Al-Bandeirah, no citado volume, Rosso observa a respeito da técnica de Lima Barreto: “…na referência que faz à falsidade e puro jogo político de conchavos e barganhas nas relações entre a então incipiente São Paulo fortalecendo-se econômica e politicamente, já bastante influente no país, e os governos republicanos; a elite política de São Paulo fizera oposição a Deodoro da Fonseca (governo 1889-91), a Floriano Peixoto (governo 1891-93), também o fazia a Hermes da Fonseca…mas compunha com os respectivos governos para receber benefícios econômicos etc.”

No conto O desconto, Barreto vislumbra, a um século de distância, as artimanhas que Guedes proporia ao genocida, diabolicamente jogando pobres contra pobres, ao vincular a ajuda emergencial às reduções salariais do funcionalismo e às privatizações: “- Vossa Majestade decrete um imposto sobre os mendigos do reino que haverá dinheiro para socorrer os miseráveis cultivadores de tâmaras.”

A clarividência de Lima Barreto é tal que antecipa o discurso do atual ministro ilegítimo da economia, no conto Projeto de lei: “Meus senhores. A pátria está em perigo; o Tesouro está exausto; os recursos da Nação estão esgotados. Urge que tomemos providências, a fim de evitar a bancarrota. O que mais pesa no nosso orçamento são os funcionários públicos. É preciso acabar com essa chaga que corrói o organismo do país. Eles podem muito bem ir plantar batatas…não há funcionário público por aí que não o possa fazer…Devemos tirar da agricultura a base da nossa vida; é o que eu sempre aconselho aos outros, a todos, principalmente àqueles que me pedem empregos. Dizem que árdua é a vida, mas isso é quando se trata de pequenos agricultores, para os quais não peço auxílio algum. Sou pelos grandes latifúndios, pelas vastas propriedades, que podem sustentar grandes famílias na opulência…”

Se essa não parece uma fala de Paulo Guedes, não sei o que poderia ser mais idêntico…

Sobre a cíclica participação dos militares na política nacional, em forma de desastrosa tragicomédia, o referido volume de contos de Lima Barreto, organizado por Mauro Rosso, traz informações relevantes até em nota de rodapé: “Prudente José de Morais e Barros (1841-1902), primeiro governador do estado de São Paulo (1889-1890), senador e terceiro presidente do Brasil e primeiro político civil a assumir o cargo, governando de 1894 a 1898, sucedido por Campos Sales.” Portanto, lembremos que após o golpe de estado que levou à proclamação da república, em 1889, foram necessários 5 anos de crises intensas para que os militares cedessem o poder a um civil…

No livro, cuja leitura muito recomendo, Rosso contribui ulteriormente para o entendimento do Brasil da atualidade, ao explicar em que consiste o patrimonialismo: “O que é patrimonialismo? Na sociologia weberiana, corresponde a um tipo de dominação tradicional, caracterizada ‘pelo fato de o soberano organizar o poder político de forma análoga a seu poder doméstico”. Se essa não é uma descrição fidelíssima da familicia…

Por fim, Rosso, acuradamente, conclui: “Dessa forma, categorias patrimonialisticas explicam muito da própria formação política do Brasil. E Lima Barreto, ciente e consciente de seu tempo, foi um dos mais acurados observadores – e captadores – desse processo, dele se tornando o mais lúcido e veemente crítico.”

Para sermos radicais, indo às raízes, vamos à leitura de Lima Barreto!

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