Opinião

No Brasil, a história se repete como farsa e tragédia

‘Na Argentina, 43 deles foram condenados à prisão perpétua. Lá, não mais ameaçam a democracia’

Foto: EVARISTO SA / AFP
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“Para acertar o golpe, e fazê-lo aceito era necessário ainda mobilizar e sensibilizar, ganhar a opinião pública e para isso foram usadas as duas velhas armas, que na realidade jamais foram ensarilhadas, embora nunca tivessem dado resultado. Mas não tinha outras! Quais eram essas armas? A luta contra a corrupção e o comunismo.”
Leôncio Basbaum.

O parágrafo acima, do médico e historiador Leôncio Basbaum, encontra-se em “História Sincera da República”, Editora Alfa-Omega, e refere-se à preparação ao golpe de estado de 1964. Entretanto, a reflexão aplica-se também – perfeitamente – ao golpe de 2016 e às atuais tentativas de ainda maior ruptura institucional, promovidas pelo genocida e os apoiadores armados dele.

Mais do que nunca, vale a pena recordar as palavras de Simon Bolívar: “Maldito o soldado que aponta sua arma contra seu povo.”

Na semana passada, tomamos conhecimento de que 110 milhões de reais do Ministério da Saúde teriam sido desviados para a manutenção de aeronaves da Aeronáutica e até para compra de roupa de cama de militares, no exterior.

Pior, na medida em que a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid avança, fica cada dia mais clara a ligação entre a presidência da república e setores militares, em esquemas de desvio de dinheiro para a obtenção de vantagens pessoais do grupo que se assenhorou do Planalto, do Alvorada (Dona Micheque) e da pasta da Saúde.

Evidenciam-se, igualmente, as conexões internacionais dessa “banda podre” e o apoio de que gozam no governo dos Estados Unidos, que não hesitou em enviar o diretor da CIA ao País, em viagem oficial, legitimando, portanto, os interlocutores.

Vale notar que o referido diretor também visitou a Colômbia, país do qual partiu o comando de 26 ex-militares colombianos que, juntamente com dois cidadãos americanos, assassinaram o presidente do Haiti, Jovenel Moise, na semana passada.

Recorde-se que o presidente Nicolas Maduro, da Venezuela, havia denunciado que aquela visita do diretor da famigerada agência tinha por objetivo em regicídio. Não se enganou, aparentemente.

As armas utilizadas no atentado seriam de origem israelense, sendo Israel, atualmente, um dos estados mais terroristas do mundo, matando opositores no exterior, atacando alvos civis e militares em outros países e praticando nos territórios ocupados da Palestina um apartheid que faz corar aquele da África do Sul em seus piores tempos.

Sempre na semana passada, o relator da ONU para direitos humanos afirmou que a política de Israel de assentamentos nos territórios ocupados da Palestina constituem “crimes de guerra”.

É verdade que o mundo assiste a uma perigosíssima banalização do mal.

Na Índia, com outro regime de extrema-direita, um sacerdote jesuíta de 84 anos, Stan Swamy, encarcerado desde outubro do ano passado sob acusação de subversão, faleceu, vítima da Covid 19, contraída no cárcere. Embora alegasse inocência na acusação de favorecer a luta dos indígenas Adivasi, o sacerdote, que sofria do mal de Parkinson, teve o pedido de fiança rejeitado, pelo próprio primeiro-ministro Narendra Modi, a quem três cardeais católicos recorreram em favor do jesuíta.

Nesse sentido, há triste proximidade entre os atuais governos do Brasil, de Israel e da Índia. Todos os três imiscuem-se da política interna de outros países e praticam apartheid social dos mais violentos e odiosos do mundo.

Uma vez banalizado, o mal retorna, como vemos nos três países.

Se fizermos uma comparação com nosso vizinho ao sul, a Argentina, veremos a importância da responsabilização: no Brasil, nenhum militar foi condenado pelo sequestro, tortura e morte de opositores durante a ditadura. Na Argentina, 43 deles foram condenados à prisão perpétua. Lá, não mais ameaçam a democracia. Aqui, o fazem diuturnamente. Só em pensões e salários, subtraíram do orçamento federal, em 2020, mais de 41 bilhões…

Quanto à relação custo-benéfico, julguem os leitores e as leitoras.

Pobre deste País, em que a história se repete como farsa e tragédia.

À largada de Lula, muitos pontos à frente nas pesquisas de opinião para a eleição presidencial, o golpista-mor, Michel Temer, cuja traição à pátria a história não apagará e que “assessora” o genocida, já começa a lançar o factoide do semipresidencialismo. Segue, dessa maneira, os moldes do que a direita, incluída a armada – os militares, fizeram em 1961, para impedir que João Goulart fizesse as reformas de base de que este país tanto carece, a agrária, em primeiro lugar.

Como diria Hanna Arendt no clássico “Eichmann em Jerusalém”, não banalizemos o mal, antes, denunciemos, em qualquer latitude ou longitude em que se manifeste.

Por simplório, recorro a exemplo bem local e corriqueiro: a saída 24 do Rodoanel traz em uma única placa os nomes de três genocidas: Anhanguera (“diabo velho” em tupi-guarani dispensa qualquer outra explicação), Castelo Branco (golpista e responsável por sequestros, torturas e assassinatos após o golpe de 1964) e Raposo Tavares, que escravizou milhares de indígenas das Missões, no Paraná e no Rio Grande do Sul, ao longo do século XVII.

Para que a raiz maléfica não mais rebrote, apontemos o mal e exijamos reparação, só então o perdão será possível e cabível.

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