

Opinião
Nero brasileiro, Bolsonaro joga gasolina em vez de apagar incêndios
Brasil caminha para se tornar um vilão ambiental que agride seus próprios interesses e sua soberania


Em julho do ano 64 d.C., Roma ardeu sob um incêndio – que além de destruir parte da cidade – ceifou várias vidas. Uma das teorias aponta o imperador Nero como o responsável. Ele teria ordenado atear fogo à cidade para poder realizar uma reforma urbana, erguendo construções modernas sobre os escombros. Agora, em pleno século XXI, o mundo assiste estupefato aos desvarios de um novo candidato a piromaníaco. De forma desastrada e em proporções catastróficas, o presidente Jair Bolsonaro, a cada nova declaração e atitude, parece estar despejando gasolina, ao invés de tentar debelar os incêndios que ardem na Amazônia.
O pior é que a devastação da floresta não é o único problema. Em cerca de oito meses, o Brasil vem experimentando um criminoso retrocesso ambiental. Desde a campanha que o conduziu à Presidência da República, Bolsonaro vem dando declarações contra o meio ambiente. Depois da posse, ele ouviu outras vozes de ministros se somarem à sua cruzada antiecológica. O chanceler, por exemplo, já desacreditou várias vezes o aquecimento global e cogitou a saída do Brasil do Acordo de Paris. O próprio ministro do Meio Ambiente vem adotando medidas que estão destruindo todo o arcabouço legal da gestão ambiental, construído nos últimos anos.
Por detrás da fumaça da nossa floresta que arde, a agenda antiambiental bolsonarista parece ocultar a intenção de entregar nosso patrimônio fitogenético, zoogenético e mineral à sanha predatória estrangeira. Sobretudo, o Palácio do Planalto aparenta estar se acostumando com satisfação à posição acocorada de submissão geopolítica ao governo Donald Trump. O problema é que a opção escolhida pelo governo brasileiro inexoravelmente implicará em isolamento diplomático, retaliações comerciais, aumento da pobreza, destruição do nosso patrimônio natural e até o risco de perdermos a soberania sobre a Amazônia.
A irracionalidade científica, a devastação ambiental e o entreguismo do governo atual contrastam fortemente com os avanços obtidos pelo Brasil nos governos do Partido dos Trabalhadores. Foi no governo do presidente Lula que o Brasil deu um passo além do discurso vigente de responsabilizar os países industrializados pelas emissões dos gases do efeito-estufa e passou a adotar o conceito de desenvolvimento sustentável. Posteriormente, com o agravamento da crise climática e ambiental, passamos a assumir posição de vanguarda na luta contra o efeito-estufa e os desequilíbrios ambientais.
De forma pragmática, os governos petistas entenderam que os países situados nas zonas tropicais – como é o nosso caso – são os mais prejudicados com o aquecimento global. Algumas consequências são o aumento das inundações e dos períodos de seca, o risco da savanização da floresta amazônica e a escassez de água no cerrado. O quadro obrigou o Brasil sob o comando do PT a mudar o paradigma de crescimento. Foi criada uma estratégia que culminou na Política Nacional sobre Mudança de Clima, baseada na ampliação das áreas de proteção ambiental e a redução substancial dos níveis de desmatamento, principalmente na Amazônia.
O resultado é que a taxa de desmatamento na Amazônia legal caiu de 27,8 mil km², em 2004, para 6,2 mil km², em 2015, último ano do governo do PT. A consequência foi que a redução das emissões de CO² despencou de 3,453 bilhões de toneladas para 1,368 bilhão de toneladas no mesmo período. Por outro lado, estimativas feitas pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) apontam que o desmatamento na região poderá subir para 25,6 mil km²/ano no governo Bolsonaro. O Brasil está deixando de ser um dos líderes globais na luta contra o efeito-estufa e os desequilíbrios ambientais, para se tornar um vilão ambiental que agride seus próprios interesses e sua soberania.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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