Yasmin Morais

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Escritora, jornalista em formação pela Universidade Federal da Bahia com mobilidade acadêmica na Université Toulouse 2 Jean Jaurès, integrante do Centro de Estudo e Pesquisa em Análise do Discurso e Mídia (CEPAD) da UFBA e fundadora do projeto Vulva Negra.

Opinião

Nenhuma de nós está imune

Por que a violência doméstica ocorre às mulheres, ainda que tenham privilégios econômicos e raciais?

Créditos: Reprodução Instagram
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Aquilo que começa com comentários pontuais se tornam, gradativamente, ‘elogios’ com tom proibitivo: “Você fica mais bonita se usa uma roupa maior e põe menos maquiagem”, evolui para comportamentos que fragilizam a autonomia, como desejar que uma mulher abandone a sua vida profissional e culmina em ofensas, gaslighting e consequentes agressões físicas.

No Brasil, esse script nefasto está no imaginário social feminino. Qual de nós nunca teve amigas que conheceram seus príncipes encantados, apenas para se dar conta de que estavam, na verdade, dentro do conto do Barba Azul? De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Datafolha, 2022 foi um ano no qual ser mulher no Brasil se tornou ainda mais perigoso, com aumentos substanciais nas denúncias de violência doméstica e outros tipos de infrações cometidas contra mulheres.

Segundo os dados, as mais afetadas  mulheres negras, separadas, com pouca escolaridade e oriundas da classe trabalhadora.

O cruzamento de opressões produz um cenário propício à vulnerabilização de mulheres racializadas e de baixa renda. Em razão da desigualdade, os níveis de assédio sexual, feminicídio e gestação na adolescência, tendem a afetar esse grupo com maior intensidade. Conforme dados do Ministério da Igualdade Racial divulgados no ano de 2022, 61,1% das vítimas de feminicídio foram de mulheres negras, enquanto 38,4% foram brancas.

A persistência do racismo e da afromisoginia, conduz muitos a crer que somente mulheres nas citadas condições de vulnerabilidade social seriam alvo das inúmeras formas de violência que sofremos. Entretanto, apesar da junção de marcadores raciais e sociais potencializarem a exposição das mulheres às diversas modalidades de violência, mulheres brancas e de classe alta não estão imunes de se tornarem vítimas.

Afinal, o ecossistema que favorece a violência contra a mulher nasce em cultura fundada sob a perspectiva dominante, na qual mulheres são socialmente tratadas como menos do que humanas e vulnerabilizadas a partir de fatores que extrapolam a sua etnia e classe social.

Ao nos depararmos com a expectativa cultural sobre as mulheres, nos damos conta de que os séculos de proibição do acesso à bens materiais, de ingresso no mercado de trabalho remunerado, de acesso ao divórcio, ao voto, à educação e à autonomia, deixaram as suas marcas e influências, ainda que o mundo atual se julgue mais inclusivo.

Fatores sociais – como a cultura do estupro, o pacto da masculinidade, discursos como os da Lei da Alienação Parental e a forte perspectiva de culpabilização sobre as vítimas – fazem com que inúmeras mulheres permaneçam em silêncio face às violências que sofrem. Afinal, o condicionamento que se cria, nos leva a crer na certeza da impunidade masculina, sugerindo que mais uma vez seremos submetidas à revitimização.

Ademais, a violência contra as mulheres se constrói de maneira sistêmica, perpassando diversos aspectos da experiência social e do funcionamento institucional do país. Com grilhões que vão desde religiões que incentivam mulheres a permanecer com maridos abusivos até a ausência de delegacias voltadas ao público feminino em determinadas cidades, muitas mulheres se veem cerceadas pelo ciclo de violência e são atingidas pelo julgamento social.

Por mais doloroso que seja, compreender como o modus operandi social nos direciona à caminhos que conduzem à vulnerabilidade – principalmente quando se observam fenômenos como a heteronormatividade e a maternidade compulsórias, o reavivamento das noções de submissão e passividade dentro de relacionamentos e influências externas para que vivamos às custas de parceiros – percebemos que nenhuma de nós está imune.

Nenhum dinheiro ou status social afastará mulheres da violência em uma sociedade que nos conduz aos braços do inimigo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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