Opinião

Negócios privatizados e privados apagam as luzes das cidades

No âmbito federal, a Aneel mostra o quanto é inefetiva, servindo… para nada

Negócios privatizados e privados apagam as luzes das cidades
Negócios privatizados e privados apagam as luzes das cidades
São Paulo (SP), 13/10/2024 -.Avenida Padre Arlindo Vieira no bairro do Jabaquara sem energia elétrica desde sexta-feira devido as chuvas,.Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Apoie Siga-nos no

“A natureza fez tudo a nosso favor; porém, nós pouco ou nada temos feito a favor da natureza. Nossas terras são ermas; nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado destruidor, da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão se escalvando diariamente e, com o andar do tempo, faltarão as chuvas fecundantes, que favorecem a vegetação e alimentam nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia. Virá então esse dia (dia terrível e fatal) em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros cometidos “ – (1819) José Bonifácio de Andrada

O Patriarca da Independência previu com dramática clarividência o que estamos vivendo, com dois séculos de antecedência.

Um triste, mas precioso vaticínio.

Enquanto o ogronegócio e a extrema-direita incendeiam o Brasil e drenam suas águas para a produção de commodities e o combate aos incêndios por eles causados, as mesmas direita e a extrema-direita apagam as luzes das cidades.

São Paulo vive apagão de mais de 48 horas. A concessionária Enel, italiana, neste ano matou sete operários na explosão de uma de suas usinas no norte da Itália.

Aqui, o governador, certo Tarcísio, culpa as árvores pelo apagão e o prefeito Ricardo Nunes, por sua vez, responsável pelas árvores, culpa o vento… Inacreditavelmente, o suposto prefeito é candidato à reeleição.

No âmbito federal, a Aneel (mais uma agência, criação de FHC, seguindo à risca a cartilha do FMI e do Banco Mundial) mostra o quanto é inefetiva, servindo… para nada.

Em Porto Alegre, outro incompetente concorrendo à reeleição: o aprendiz de prefeito Sebastião Melo mantém a principal rua da cidade, em triste coincidência, dos Andradas, ou Rua da Praia, como é mais conhecida, às escuras, literalmente.

Pobres Andradas: José Bonifácio, mesmo em sua pior visão, não poderia imaginar que a capital gaúcha um dia chegaria a tal grau de descaso. Primeiro, inundada pela incúria do emedebista e depois deixada às escuras, por uma reforma cujo objetivo não é aumentar a segurança ou a beleza do centro da cidade, mas, provavelmente, apenas enriquecer a empreiteira irresponsável.

Negócios privatizados e privados, em São Paulo como em Porto Alegre. Zero compromisso com a cidadania; cem por cento, com as negociatas.

Entretanto, se estiver caminhando pela Rua da Praia, não deixe de entrar na Casa de Cultura Mário Quintana.

Nos cinemas de lá, estão Ainda somos os mesmos, de Paulo Nascimento, com coprodução de Edson Celulari, que também atua, brilhantemente, e Motel Destino, de Karin Aïnouz.

Ambos os filmes são obras-primas, sendo o de Aïnouz superior a qualquer Tarantino. Um filme que só não é mais premiado internacionalmente pela superioridade, quase humilhante, com relação à concorrência do Norte, seja da América Setentrional seja da Europa, cujas produções cinematográficas atravessam sua pior fase, em mais de um século, tal a pobreza de suas produções – aparentemente, menos por falta de recursos e mais pela escassez de horizontes existenciais.

No entanto, não caia na tentação de abrir o jornal hegemônico local, a Zero Hora.

O pasquim tem a desfaçatez de noticiar em manchete que o governo estadual irá alocar uma quantia milionária para o “setor produtivo”, que o jornalzinho assimila exclusivamente às empresas, tanto rurais quanto urbanas.

Por exclusão, médicos, engenheiros, advogados, psicólogos, professores e até jornalistas e demais trabalhadores e trabalhadoras seriam todos improdutivos, segundo o jornal que detém o quase monopólio da informação local.

Enquanto isso, no âmbito internacional, o genocida primeiro-ministro de Israel ataca a força de paz da ONU no Líbano, a Unifil, com o intuito de anexar o sul do Líbano.

Netanyahu, assim, se parece cada dia mais com Adolf Hitler, no genocídio dos povos vizinhos e na anexação de seus territórios, com o apoio decidido dos EUA e complacente da UE (em política externa, mera colônia estadunidense).

Se o Norte afunda em seu autoritarismo, colonialismo e na reemergência da extrema-direita, a África demonstra que o eixo diplomático se desloca para o Sul e para o Continente Preto.

A visita do primeiro-ministro do Haiti ao Quênia atesta: o presidente queniano anunciou o envio de mais 600 policiais à martirizada ilha caribenha, em adição aos 400 que lá estão, tentando contribuir para a pacificação do país, na qual, vale recordar, os militares (Heleno e Tarcísio, inclusive) e os diplomatas brasileiros fracassaram, principalmente porque o país conta com uma agência de cooperação internacional, no mínimo, insuficiente.

Ao contrário, o chefe de Estado queniano anunciou que se empenhará em maior cooperação da UA com a nação haitiana, coisa com que a CELAC sequer pode sonhar, pois não conta nem mesmo com sede física, o que bem aquilata a fragilidade da nossa integração regional.

Não serve de consolo, mas muitas vezes os povos, assim como os seres humanos, individualmente, precisamos experimentar fracassos para poder, com base na vivência, buscar outros horizontes.

Valorizar os tropeços nos percursos de nossas vidas não é fácil e pode ser muito doloroso. Porém, faz-se necessário.

O capitalismo competitivo nos induz a dar valor apenas às vitórias, o que, obviamente, é enganoso e, não raro, traz como consequência o consumo de drogas, como forma de sublimação negativa do sentimento de nos considerarmos como “perdedores”.

Em sentido inverso, como nos recorda Jean-Yves Leloup, em Além da luz e da sombra (editora Vozes): “Em hebraico, a palavra ‘Shatan‘ quer dizer obstáculo, obstáculo entre o homem e o homem, entre o homem e Deus, obstáculo interior entre a cabeça, o coração e o corpo. O correspondente na etimologia grega é ‘diabolos‘, aquele que divide, aquele que dilacera.”

Sejamos unidade, na riqueza e na pobreza de nossos dias, na saúde e na doença de nossa existência, pois somos e seremos aquilo que vivemos, sem nada excluir, nem mesmo a dor.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo