Marcos Coimbra
[email protected]Sociólogo, é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense.
Para que monitorar os níveis de popularidade e avaliação positiva de um candidato se, na hora de votar, os eleitores vão ignorá-los?
Saímos da eleição perplexos, com a sensação de não entender o País. O Brasil havia se tornado incompreensível, com uma sociedade e uma vida política inexplicáveis. Nos dois primeiros meses de 2023, as coisas pioraram. Nem tanto pelo que vimos em 8 de janeiro, mas pelo que não vimos. Alguns dias depois da irrupção de toda aquela estupidez estávamos de volta à “normalidade” dos últimos anos. Nem sequer uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instalada para manter em pauta a discussão. A mesma que não foi criada para apurar a responsabilidade pelo massacre do povo Yanomâmi, uma oportunidade de nos fazer pensar no país que queremos ser. Através dos dois silêncios, é como se reconhecêssemos que estamos onde a eleição mostrou, à beira da barbárie, sempre em risco de nos perder por dentro dela.
Está claro que o mais assustador no resultado do pleito foi a quantidade e a distribuição dos votos que o capitão recebeu. Quase a metade do eleitorado o preferiu, sendo majoritária na parte mais rica e desenvolvida do País. Considerando quem é Bolsonaro, sua trajetória política e o que foram os quatro anos em que esteve à frente do governo, a eleição brasileira foi mais surpreendente do que qualquer outra no mundo de hoje. Por piores que sejam personagens como Donald Trump, Boris Johnson e Narendra Modi, para ficar apenas nos principais expoentes da direita internacional, nenhum é tão ruim, no plano moral e intelectual, tão incompetente e cafajeste quanto o brasileiro. Para piorar, alguém que se apresentou como candidato de si mesmo, enquanto os outros disputaram eleições como representantes de grandes e tradicionais partidos.
O voto dado a Bolsonaro é a radicalização de um modo de votar no qual são irrelevantes a biografia, os atributos e o desempenho dos candidatos. Ao contrário do que ensina o bê-á-bá da política e do consagrado no senso comum, metade do eleitorado brasileiro escolheu um representante sabidamente desqualificado e incapaz de realizar uma administração adequada, como o capitão demostrou ao longo do período em que esteve sentado na cadeira de presidente. Se escolhê-lo podia ser desculpado em 2018, foi irracional insistir em seu nome na eleição seguinte ou preferi-lo a qualquer outro.
A irracionalidade que vimos na eleição, expressa no vasto contingente que mostrou querer a continuidade do que sabia ser um governo medíocre ou mau (precariamente justificado por seus eleitores mediante desculpas como a pandemia e a “perseguição” que teria sofrido das “elites”), é um problema complicado para Lula. Desde quando resolveu ser candidato, o presidente apostou que recuperaria o lugar que merecia na opinião pública, a aprovação e avaliação positiva que tinha antes de sofrer o ataque sem tréguas desfechado contra ele e o PT, capitaneado pela indústria da comunicação, que o levou à prisão. Estava convencido de que conseguiria voltar a fazer um bom governo, capaz de melhorar a vida das pessoas, especialmente as mais necessitadas. Trabalharia com gente de bem, tinha boas propostas e imaginava que seria julgado na comparação com o caos herdado da gangue que saía.
É certo que seus eleitores irão aprová-lo, mas é incerto que o eleitorado do capitão consiga (ou queira) ver algum avanço no volume e na qualidade da ação do governo. Ao contrário, é possível que considere que tudo está igual (senão pior) e que eventuais melhoras resultem da “herança bendita” do antecessor. De um lado, dado o estado calamitoso em que Lula recebeu o governo, ampliou-se o prazo para que mudanças positivas sejam perceptíveis. De outro, não há motivo para confiar na racionalidade de quem se mostrou tão pouco racional.
Não foi apenas no Brasil que o conceito de aprovação do governo perdeu relevância na vida política, como vimos em eleições recentes mundo afora. Se quase a metade do eleitorado votou em um candidato que havia se revelado um presidente ruim ou péssimo, que importância tem o desempenho objetivo de um governante como critério de escolha eleitoral? Para que monitorar seus níveis de popularidade e avaliação positiva se, na hora de votar, os eleitores vão ignorá-los?
No ano que vem, teremos eleições para prefeito e vereador e, em mais três, eleições gerais. Fora verdades banais e obviedades, ninguém sabe o que o Brasil pensa e como chegaremos a elas. Só sabemos que (quase) tudo que considerávamos conhecido está posto em dúvida. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1249 DE CARTACAPITAL, EM 8 DE MARÇO DE 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Navegando sem bússola”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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