Opinião

Não sobrará muito deste pobre país

Se os progressistas visam a um projeto estratégico, faz-se cada vez mais urgente contar com educação cidadã

Não sobrará muito deste pobre país
Não sobrará muito deste pobre país
Presidente Jair Bolsonaro segura Bíblia durante culto em Manaus, em 26 de novembro de 2019 (Foto: Carolina Antunes/PR)
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No regime de exceção em que vivemos, os demônios interpretam a bíblia em proveito próprio, como William Shakespeare bem previra, há cinco séculos.

De fato, até mesmo o “uti possidetis”, princípio invocado por Rio Branco para defender um nono do território nacional – pretensão de países vizinhos – acabou conspurcado pelo Tribunal Regional Federal da Quarta Região, ao sentenciar que a simples utilização confere a alguém a posse.

Trata-se, evidentemente, de “law fare” – quando a lei é utilizada com finalidade político-partidária; uma prostituição do direito; um vilipêndio da justiça.

Coerentemente – os bordéis não são posse de quem os frequenta mas por eles são mantidos, o “conselheiro” (agente da CIA, na verdade) da “embaixada” dos Estados Unidos da América visitou recentemente a referida repartição, onde foi recebido com sorrisos e fotografias.

Vale recordar que, segundo Edward Snowden – que montou o atual sistema de espionagem eletrônica dos EUA, as embaixadas americanas atualmente nada mais são do que agências de arapongajem (os consulados, inclusive).

Na capital do império decadente, o secretário de Estado, Mike Pompeo, afirmou que o governo dos EUA está pronto a intervir na América Latina para reprimir manifestações. Se havia alguma dúvida sobre a condição neocolonial que o império busca impor à região, as duas intervenções dissipam-nas.

A semana também trouxe a derrota da Frente Ampla no Uruguai. Mais um pleito que confirma a acuidade da análise política de Antonio Gramsci, para quem a cultura se sobrepunha à economia na interpretação social.

De fato, tanto a Bolívia quanto o Uruguai cresciam a taxas altas – para a região, há mais de uma década. Entretanto, ambos os governos foram vítimas de revezes, por meio de golpe de estado e nas urnas, respectivamente.

Portanto, se os progressistas visam a um projeto estratégico para a região, faz-se cada vez mais urgente contar com educação cidadã.

Um projeto que explicite, por exemplo, como o imperialismo busca reduzir-nos à condição de colônia, novamente.

A recusa do sinistro da “educação” (sic) em participar das reuniões de ministros da educação do Mercosul deixa clara a obediência canina do atual desgoverno à cartilha da recolonização, pela qual as relações exteriores devem se limitar à metrópole ou por elas serem mediadas.

Outro ponto que o desgoverno segue à risca é a desindustrialização do país. Após ceder a Embraer praticamente de graça para a decadente Boeing, o desgoverno quer que até a moeda nacional seja impressa por empresa estrangeira, razão pela qual já iniciou a privatização da Casa da Moeda.

O Banco do Brasil, instituição criada por D. João VI, em 1808, também está na mira das privatizações, deixando claro que o projeto é de retornarmos ao período colonial, anterior à chegada da família real – em fuga da Europa – e, por isso, obrigada a revogar algumas das interdições coloniais, como a criação de manufaturas e a emissão de crédito.

Pior, a cessão de território continua: após a cessão de Alcântara aos EUA, serão privatizados o Parque Nacional de Iguaçu (segundo destino internacional no Brasil), os Lençóis Maranhenses e Jericoaquara.

Não sobrará muito deste pobre país.

Aliás, ao “reagir” à imposição de taxação sobre o aço e o alumínio brasileiros, por Trump, o desgovernante disse: “O que fazer, somos pobres”.

Na verdade, pobres são eles, seus eleitores, correligionários, família e milicianos com os quais ele e família mantêm estreitas relações.

De fato, a inexistência de política externa é uma das principais marcas de uma colônia, o que somos atualmente, cabendo indagar se embaixadores e embaixadoras são meros mercenários, pois têm consciência da própria inutilidade.

Outra característica de uma colônia é não contar com política de defesa. Como as colônias da atualidade não podem dizer seu nome – para parafrasear Oscar Wilde e a definição dele de homoafetividade, as forças armadas nacionais foram simplesmente cooptadas pelo invasor, a preço de aumento da remuneração, inclusive aposentadoria integral sem limite de idade, bem ao contrário dos demais servidores, cidadãos e cidadãs do país.

Seria de corar, se já não tivessem sido coniventes com a entrega da Embraer, do pré-sal e demais riquezas, inclusive da Amazônia, sem falar das diárias milionárias embolsadas nas intervenções “fake” no Rio de Janeiro e na Amazônia, pois como diriam os colegas, diária é bom e todo mundo gosta.

Por outro lado, assistimos reação institucional e da sociedade civil: juiz de Brasília sentencia “law fare” e isenta Lula, Dilma e Guido Mantega de processo absurdo. O presidente indicado, racista, da Fundação Palmares é impedido de tomar posse (sim, negros racistas existem); e o esquema de distribuição maciça de “fake news” pelos desgovernantes atuais acaba de ser desmascarado.

O Natal se aproxima, que cessem os genocídios em São Paulo e no Rio; que a denúncia do desgoverno brasileiro de genocídio indígena, ao Tribunal Penal Internacional da ONU, possa ser apreciada no contexto dos genocídios socioeconômicos e raciais que promovem os governadores de São Paulo e Rio; que a justiça volte e que deixemos de ser colônia, para que também a paz possa retornar.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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