Riad Younes

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Médico, diretor do Centro de Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e professor da Faculdade de Medicina da USP.

Opinião

Não queremos voltar ao normal

De repente, o vírus revelou o completo caos no sistema de saúde

Créditos: EBC
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Pandemia de proporções inimagináveis abateu-se poucos meses atrás sobre o mundo e sobre o Brasil. Após erros consecutivos de nossas autoridades, desde a descrença na gravidade da situação, nos estudos epidemiológicos e científicos à proposta de cultos religiosos ou tratamentos rápidos para a cura dos pacientes infectados com a covid-19, obviamente sem impacto significativo na luta de milhares de pacientes.

Centenas ainda morrem todos os dias. Agora, a discussão dessas mesmas autoridades está se concentrando em quando e como relaxar a recomendação do isolamento social. “Precisamos voltar ao normal o mais rápido possível”, repetem todos, preocupados com a economia de nosso país.

Mas quem disse que nós, médicos, queremos VOLTAR ao normal. Se “normal” for definido como a situação que vivíamos em dezembro de 2019, nós médicos não queremos retornar às condições passadas. Se aprendemos algo, e esperamos que a sociedade ao nosso redor também tenha aprendido, é que a medicina e os cuidados da saúde da fase “normal” são totalmente inadequados.

Tenham paciência comigo. Nosso normal oferecia à população clínicas, consultórios, hospitais, leitos, UTI e ventiladores, tomógrafos, entre outras infraestruturas, totalmente insuficientes para atendimento decente aos pacientes de nossa rotina. Muito menos diante desta pandemia.

Nosso “normal” desprezava médicos e profissionais da saúde, desde o ensino médico pulverizado em um número sem fim de faculdades de medicina espalhadas pelo Brasil, muitas sem condições mínimas para merecer esse nome, até insuficientes vagas para complementar o treinamento dos recém-formados em sistemas de residência adaptados às necessidades de nossa população, e terminando com pagamento de honorários pelos convênios médicos e de salários pelos hospitais públicos e privados aviltantes.

Para terem uma ideia, o salário inicial de um médico, em concursos públicos, equivale a um quinto, ou até um décimo, do salário merecido de um defensor público bacharel em Direito. Nosso normal, neste novo governo federal, cortou bolsas de pesquisadores em programas de pós-graduação, diminuiu verbas de laboratórios de pesquisa nacionais, reduziu orçamentos de universidades públicas e hospitais universitários, federais ou estaduais. Cientistas de institutos de pesquisa renomados internacionalmente, como o Fiocruz, foram chamados de inúteis, parasitas. Os médicos foram repetidamente desprezados pelos governos até um famoso ministro declarar que “médicos são como sal. Usam branco e tem em todo lugar”.

Sinceramente, nós não queremos retornar àquele “normal”. Queremos, sim, um novo “normal”, no qual a sociedade pressiona seus governantes, nos três níveis, para olharem com mais atenção e mudarem esse “normal” ridículo, ineficiente e inadequado. Melhores hospitais com melhores infraestruturas, médicos bem treinados com remuneração compatível com seu treino e sua importância social, cientistas em todas as áreas do conhecimento com verbas abundantes para que o nosso país se torne um pilar mundial da geração de conhecimento, e pare de ser um mero importador de técnicas e tecnologia.

Se há algo que o Brasil aprendeu nesta pandemia do coronavírus foi a importância dos médicos, dos enfermeiros e dos outros profissionais da saúde. Ficou claro que qualquer um desses médicos e enfermeiros vale mais que qualquer jogador de futebol. Se você ainda tem dúvida, vá até a sua varanda e escute os aplausos calorosos homenageando esses profissionais, todos os dias, ao anoitecer. E, se puder, avise as autoridades responsáveis para escutarem esses aplausos.

Eles não precisam aplaudir. Basta agir.

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