

Opinião
Não nos enganemos: Gusttavo Lima não é apenas um cantor
Pablo Marçal, João Doria, Jair Bolsonaro e, agora, Gusttavo Lima seguem a cartilha da extrema-direita populista, que transforma o “homem comum” em candidato para disfarçar um projeto de destruição de direitos


A recente vitória do Oscar de Melhor Filme Internacional para Ainda Estou Aqui, ambientado nos anos de chumbo da ditadura militar brasileira, reacendeu debates intensos. Houve quem chamasse de traição à pátria torcer pelo filme. Outros preferiam que essa história fosse enterrada. Mas o esquecimento não é uma opção. Filmes como o de Walter Salles mantêm viva uma memória que não pode ser apagada. Elas nos lembram que a democracia é uma conquista diária e que sua manutenção exige mais do que força: depende da valorização da arte, da cultura, da educação e de políticas públicas comprometidas com justiça social.
Tanto no Oscar quanto na avenida do samba, a resistência progressista seguiu pulsante. O desfile da Paraíso do Tuiuti, ao projetar uma mulher negra trans como futura presidenta do Brasil, lançou uma provocação necessária. Atravessando quilombos, religiões de matriz africana e novas perspectivas sobre a sociedade, o enredo trouxe reflexões fundamentais para o momento político.
Se, de um lado, tecnologias negras e movimentos sociais apontam para um futuro mais livre, justo e solidário, de outro, cresce uma onda de retrocesso. O recrudescimento penal, os discursos proselitistas, a intolerância religiosa, o racismo e a LGBTfobia formam uma corrente contrária à democracia. E essa onda tem nome e sobrenome: Gusttavo Lima. O astro do Tchê Tchererê Tchê Tchê, antes apenas um fenômeno da música sertaneja, agora desponta como figura política, seguindo os passos de um de seus mentores, Pablo Marçal. Com a bênção de Ronaldo Caiado, ele ensaia os contornos de uma candidatura presidencial.
Não nos enganemos: Gusttavo Lima não é apenas um cantor interessado em política. Ele é peça de um projeto maior, que se vale de estratégias já testadas. Sua ascensão encobre um discurso que resgata os fantasmas da ditadura, da violência estrutural e da restrição de direitos. Seu nome na urna não seria um fenômeno isolado. O Brasil já viu outras figuras carismáticas consolidarem-se na política dessa maneira.
Pablo Marçal, João Doria, Jair Bolsonaro e, agora, Gusttavo Lima reciclam a mesma fórmula: vendem-se como outsiders, mas representam o mesmo oportunismo populista que destrói direitos enquanto posa de renovação.
Olhemos para a América Latina: Javier Milei, na Argentina, governa sob a tutela de um cachorro empalhado. Nos Estados Unidos, Donald Trump consulta Elon Musk como se fosse um oráculo do futuro. O espetáculo da política transformou-se em um circo que encobre seus reais objetivos.
O Brasil encara uma encruzilhada. Podemos fortalecer a memória, reconhecer nossas feridas históricas e construir um futuro mais igualitário – ou repetir os erros do passado, permitindo que figuras carismáticas usem seu alcance para corroer as bases democráticas. A história exige uma posição. E retroceder não é opção.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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