Justiça

Não há mea culpa que salve ex-bolsonaristas

Democratas de pandemia’ buscam limpar a biografia suja pela condescendência ou apoio explícito ao ex-capitão nas eleições de 2018

Foto: Sérgio Galdino/Alesp
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Faltando seis dias para o primeiro turno da eleição de 2018, o Ibope apontou uma abrupta guinada no quadro que estava se desenhando após Fernando Haddad ter substituído Lula na cabeça de chapa. Em cinco dias, Bolsonaro avançara quatro pontos, enquanto o petista, até então em ascensão, não apenas parara de crescer, mas vira sua rejeição aumentar de 27% para 38%. A do seu adversário estacionara nos 44%.

Mário Magalhães, em artigo publicado no calor do momento e publicado no livro “Sobre lutas e lágrimas: uma biografia de 2018”, escreveu que ainda não se percebera que abalos sísmicos nas profundezas da sociedade tinham deflagrado um tsunami.

 

Magalhães enumera alguns dos efeitos que influenciaram o quadro eleitoral. Um deles foi a postura da imprensa comercial, televisiva e impressa, em oscilar entre a condescendência e o apoio escancarado ao ex-capitão. Enquanto Globo, Band, RedeTV!, Record e Jovem Pan presenteavam Bolsonaro com latifúndios em sua programação, desrespeitando a legislação eleitoral que proíbe tratamento privilegiado a candidatos, a Folha de S. Paulo ia na contramão da imprensa internacional ao obrigar que seus repórteres o qualificassem como alguém de “direita” ao invés de “extrema direita”.

Foto: Marcos Corrêa/PR

Outro abalo subterrâneo apontado por Magalhães foi o do submundo das fake news, sobretudo no Whatsapp. Juntos, Facebook, Instagram e Twitter não têm o alcance do aplicativo de troca de mensagens, que em 2017 já era usado por 120 milhões de brasileiros. Segundo o Datafolha, de cada cem eleitores de Bolsonaro, 61 se informavam sobre política através dele. Menos de 40 possuíam esse hábito no caso do eleitorado de Haddad.

Magalhães escreve:

“talvez pesquisadores do comportamento, do poder e da mente jamais cheguem a uma conclusão comum sobre que mal se abateu sobre nós para tanta gente acreditar que o prefeito Haddad distribuíra às creches mamadeiras com o bico em forma de órgão sexual masculino”.  

A produção industrial de notícias falsas se estende para além do período eleitoral, estando hoje institucionalizada no Gabinete do Ódio, quartel-geral das milícias de opinião do bolsonarismo. Mantido com dinheiro público, o aparelho opera a alguns metros do gabinete do Presidente da República. É ele que a CPMI das fake news vem cercando.

O bolsonarismo se contorce para enquadrar a ação organizada na produção de fake news como liberdade expressão. Contudo, a profusão de mentiras com o intuito de influenciar disputas políticas está longe de ser a mesma coisa que opinar nas redes. Principalmente se essa disseminação envolve, além de dinheiro público, fraudes no uso de CPF’s, perfis falsos e canais que permitem que notícias falsas viralizem poucas horas depois da sua criação.

Essa máquina vem sendo usada também para difundir mentiras sobre a pandemia. Em seu Twitter, o jornalista Kennedy Alencar qualificou de “democratas de pandemia” os ex-apoiadores de Bolsonaro que hoje se mostram horrorizados com seus métodos.

Gente como Janaína Paschoal, Luciano Huck e Sergio Moro vem dedicando esforços para reescrever suas biografias e maquiar o recalque de terem contribuído para a eleição de Bolsonaro.

Alguns desertores do bolsonarismo vêm construindo frentes amplas cujo objetivo não é mais do que domesticar Bolsonaro e garantir que a avenida por onde galopa a rapina ultraliberal permaneça aberta. Não há preocupação com questões centrais como a deterioração das condições de trabalho e de vida da maioria da população, acentuadas pela crise econômica e sanitária e por reformas como a trabalhista e da Previdência. Pelo contrário. É o efusivo aval a esse programa que serve de estímulo às tentativas de encoleirar Bolsonaro.

Azar, pois a história não poupa apenas quem promove a barbárie, mas também as forças auxiliares que a tornaram possível. Não há borracha ou mea culpa que salve os cupinchas do fascismo. Ainda bem.

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