Camilo Aggio

Professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais, PhD em Comunicação e Cultura Contemporâneas

Opinião

Não há desinformação sem conspiração

Compreender o fenômeno da desinformação é compreender as teorias da conspiração

Foto: Shutterstock
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Nunca compreenderemos devidamente o fenômeno que se convencionou chamar de desinformação se não tivermos a clareza de que, na maioria das vezes, estamos a lidar com as teorias conspiratórias. E essa constatação implica, necessariamente, em compreender como funcionam os mecanismos por trás dessa engrenagem e suas implicações para a vida social, política e até sanitária das sociedades.

Comecemos com uma ilustração bastante elucidativa. Em 2020, a União Pró-Vacina – um grupo de instituições ligadas à USP de Ribeirão Preto – fez um trabalho de monitoramento da circulação de informações falsas sobre vacinas. À época, constatou-se um aumento de 383% em postagens com conteúdo falso ou distorcido envolvendo a vacina contra a covid-19 num intervalo de dois meses. Esse tipo de conteúdo quintuplicou no período.

O grupo classificou as mensagens em cinco categorias: 1) Conspirações (27,1%); 2) Perigo e ineficácia (24,5%); 3) Alteração de DNA (14,8%), 4) Bill  Gates (14,2%); 5) Fetos abortados (8,4%); 6) Chip (5,2%); 7) Outros (5,8%). Notem que os conteúdos conspiratórios figuraram no topo das ocorrências, contudo, há um detalhe fundamental nesse estudo: a taxonomia utilizada não é das mais refinadas.

Tudo indica que as teorias conspiratórias se apresentaram em quantidade ainda maior, afinal, não há possibilidade da categoria “Bill Gates” não ser representada por teorias conspiratórias envolvendo algum plano obscuro de controle social tocado pelo dono da Microsoft. Do mesmo modo, a categoria “Chip” certamente envolve alguma menção a grupos de indivíduos buscando monitorar pessoas por meio de chips inseridos em seus organismos sem o seu consentimento. Não seria implausível especular o mesmo em relação às outras categorias, como “Alteração de DNA”, “Perigo e ineficácia” e “Fetos abortados”.

Obviamente, não estamos a falar apenas do contexto pandêmico e de vacinas, mas de um amplo leque de temas e circunstâncias em que as teorias conspiratórias servem como o verniz cognitivo que dá impressões de plausibilidade para que os indivíduos sustentem e reforcem seus dogmas e crenças. E isso diz respeito diretamente à ciência, à política ou mesmo ao entretenimento mais inofensivo.

Da facada de Jair Bolsonaro à indústria farmacêutica escondendo curas e tratamentos para manter lucros astronômicos, passando por toda sorte de narrativas acerca de supostos males de organismos geneticamente modificados à saúde humana, temos um espectro vastíssimo de ofertas conspiracionistas à disposição de quem precisa negar a ciência e o conhecimento especializado para manter suas convicções. Não poderia, portanto, ser diferente quando estamos a falar de uma ampla indústria de produção de desinformação no mercado digital de crenças.

As teorias conspiratórias nada mais são do que tentativas de explicação de um evento passado, presente ou até mesmo futuro em que uma dada ocorrência teria se dado em razão da articulação secreta de um pequeno grupo de pessoas poderosas com o intuito de prejudicar a maioria em favor de seus interesses particulares. Pode ser pelo poder, pode ser pelo lucro. Contudo, as teorias conspiratórias ganham maior importância em razão de sua vinculação quase umbilical com crenças anticientíficas, o repúdio ao conhecimento especializado e os perigos que representam para a política democrática na medida em que costumam abundar entre as mentalidades fanáticas e fundamentalistas.

Em 2019, Joseph Uscinsky, uma das referências nos estudos desse ramo, identificou que, a cada semana, um artigo científico era publicado em periódicos especializados.  Uma imensidão. No entanto, eu desconfio que esse número tenha aumentado vertiginosamente de lá para cá. A razão? Simples. A tal da desinformação. Principalmente no que diz respeito à escalada desse fenômeno em razão das propagandas políticas digitais e o próprio contexto da pandemia da Covid-19.

Outra vez mais, estamos nos deparando com um fenômeno bastante, digamos, democrático, na medida em que a propensão à crença em teorias conspiratórias não respeita cor, credo, classe social ou escolaridade. Não é à toa que a adesão a conteúdos desinformativos respeite à mesma lógica, afinal, estamos a falar, em grande parte, de teorias conspiratórias.

Combater a desinformação significa compreender os mecanismos que regem as mentalidades conspiracionistas e adotar estratégias que ataquem essa tendência quase universal, afinal, é difícil, cara leitora, caro leitor, que alguém que passe por essas linhas não tenha afinidade com ao menos uma teoria conspiratória que seja, afinal, há melhor ancoragem cognitiva do que teorias da conspiração para driblarmos a dissonância cognitiva e nos agarrarmos às nossas convicções, mesmo que sejam flagrantemente falsas e insustentáveis logicamente?

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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