Raisa D. Ribeiro

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Professora universitária (UNIRIO) e advogada feminista, doutoranda em Direito (UFRJ), mestra em Direito Constitucional (UFF) e especializada em Direitos Humanos (Universidade de Coimbra - Portugal), pesquisadora e coordenadora do projeto Feminismo Literário.

Opinião

Não existem sintomas leves de Covid

Ciência do diagnóstico positivo traz ansiedade e necessidade de quarentena

Paciente sendo intubado (Foto: iStock Photo)
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Eu sempre tomei todos os cuidados dentro desse ‘novo normal’ que estamos vivemos: máscara no nariz, álcool em gel nas mãos e distanciamento social de 1,5m sempre que possível. Já cheguei a pedir para se afastarem um carrinho de distância na fila do mercado, aguardarem a marcação na escada rolante e até colocarem a máscara de volta quando a tiraram do meu lado no ônibus. Mas, mesmo com todos os cuidados, chegou a minha vez: fui infectada pela Covid19.

Quando vi escrito “detectado” no resultado do meu PCR, fiquei ainda mais intrigada, tentando rastrear onde foi que me contaminei: nos cinco dias anteriores aos meus sintomas, eu andado de bicicleta na praia, bebido água de coco num quiosque, almoçado um dia na rua e pegado ônibus. Tudo indica que tenha sido contaminada no transporte público: mais de uma hora num ambiente fechado cheio de gente com ar-condicionado e janelas fechadas. É impossível ter certeza de onde foi, mas a minha cabeça fica querendo reviver cada instante dos últimos dias numa tentativa de se teletransportar no tempo e fazer diferente.

Estar com Covid é perturbador, mesmo que sejam sintomas ‘leves’. “Que bom que seus sintomas são leves”, é o que me dizem quando relato o que estou sentindo. Comecei com dor de garganta e dor de cabeça, fiquei suando frio dois dias e tive febre um dia. A dor de garganta cedeu lugar para uma irritação na laringe e tosse. Aí diarreia por três dias. No pior dia até agora, senti uma pressão enorme no peito, que parecia ansiedade, mas que era bem diferente das crises que eu já havia tido até então.

Mas não existe sintoma leve quando falamos em Covid. Pode até existir sintoma menos ruim, mas leve não. Ainda que seja assintomático, você pode transmitir a outras pessoas que podem vir a sofrer graves consequências, com resultado óbito.

Quando diagnosticado, você não sabe como o seu corpo vai reagir, o que sentirá no dia seguinte, se precisará de alguma intervenção médica mais séria. Eu durmo sem saber se amanhã eu estarei melhor ou se serei pega de surpresa com um sintoma diferente, se meu corpo reagirá bem ou ficará com sequelas. Eu estou bem agora, mas meu exame de sangue apontou alteração na coagulação e a tomografia que farei amanhã pode apontar comprometimento dos meus pulmões. Uma amiga minha desenvolveu problemas cardíacos pós-covid; outra, está fazendo fisioterapia respiratória.

Estar com Covid é estar diante de uma doença que é uma caixinha de surpresas. Você não sabe o que esperar. Se você tem fé, você reza para não precisar ir ao hospital ou ser internada – afinal, não há leitos e nem mais respiradores. Eu me pego agradecendo ao oxímetro após cada medição.

Quando meus sintomas começaram, eu achava que não era covid, mas fiquei em isolamento. Dor de garganta não é uma novidade para mim. Mas, quando as suspeitas se confirmaram, eu me deparei com duas grandes questões: será que eu tinha contaminado alguém? Como devo tratar a doença?

Nos dias anteriores aos meus sintomas, eu havia encontrado meu pai, minha avó, meu irmão e cunhada e duas amigas minhas – foi um alívio descobrir que nenhum deles havia sido infectado. Eu não saberia lidar com a culpa de ter contaminado qualquer pessoa, em especial pessoas que eu amo.

Com relação ao tratamento, fiquei desnorteada. Politizaram a doença e, mais do que isso, o seu tratamento. Fui atendida pelo teleatendimento de um dos melhores hospitais do país e me passaram medicamentos para amenizar os sintomas aparentes. Não me senti segura, procurei acompanhamento por médico particular, que me passou uma bateria de medicamentos e exames – procedimento esse também adotado por médicos de outro renomado hospital no Rio de Janeiro. Preferi pecar pelo excesso que pela falta. É um enorme absurdo, no meio de uma pandemia, não termos informações suficientes e precisas de como fazer o tratamento dessa doença.

Se a falta de informações me abala, que ocupo uma posição relativamente privilegiada – tenho plano de saúde, acesso à bons hospitais e possibilidade de arcar com o acompanhamento de um médico particular –, imagino o desespero de quem está lidando com isso sem ter condições para comprar medicamentos e tendo que aguardar as longas filas de atendimento hospitalar.

Paro e penso positivo: estou no décimo dia de isolamento. Faltam 4. Daqui a pouco acaba. Acaba o que? Vou sair de um isolamento para entrar em outro. Megaferiados, necessário conter a pandemia, mas será que vão respeitar? Transportes públicos continuam lotados e festas clandestinas acontecem a torto e a direito aqui no Rio de Janeiro. Entro na internet despretensiosamente, procurando me distrair, e me deparo com notícias e mais notícias sobre a covid. São 300 mil mortes só no Brasil.

Faltam leitos. Mais 3 mil mortes. Faltam respiradores. Mais 3 mil mortes. Faltam medicamentos. Mais 3 mil mortes. Falta vacina. Mais 3 mil mortes. Burla nas filas do SUS. Mais 3 mil mortes. Mutação do vírus. Mais 3 mil mortes. Reinfecções. Mais 3 mil mortes. 200 reais de auxílio. Mais 3 mil mortes, se não for por covid será por fome. Falta política pública. Mais 3 mil mortes, mais 3 mil mortes, mais 4 mil mortes. Cada dia que passa, os números só aumentam – e não são apenas números, mas vidas. Falta humanidade.

Já estamos exaustos, vai soar clichê, mas não temos alternativa: se puder, fique em casa, não aglomere, use sempre máscara tampando o seu nariz e álcool 70º. Melhor ficar em casa com saúde do que compartilhar a casa com a covid. Faça tudo isso e saiba que ainda há o risco de se contaminar. Viver agora no Brasil passou a ser arriscado para qualquer pessoa. Se cuide, cuide dos seus e cuide de nós. Se falta humanidade ao governo, não pode faltar humanidade em nós.

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