Opinião

Não esmoreçamos, pois a libertação virá

‘Todos aqueles que a pátria estão vendendo terão seus nomes inscritos no rol dos traidores’, escreve Milton Rondó

Barão de Rio Branco. Foto: reprodução
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“O que as pessoas realmente querem não são conhecimentos, mas certezas”.
Bertrand Russell.

A pós-modernidade teria a ver com a diluição dos significados?

Certamente, a modernidade guarda relação com o ressignificando, mas seria necessária a diluição do anterior para o surgimento do novo? Ou estaríamos – sob a extrema-direita – assistindo apenas ao apagamento dos significados, para ficarmos qual nave sem bússola?

Passamos pelo dia 20 de abril, Dia do Diplomata, em branco.

A data celebra o nascimento do Barão do Rio Branco, que defendeu mais de um nono do território nacional, reclamado por diferentes países vizinhos.

A saga de Rio Branco não conta com qualquer similitude internacional: em vinte anos, o Barão delimitou de maneira pacífica as fronteiras do país, com 10 países limítrofes. Na empreitada ímpar na história mundial, deu a própria vida pelo país.

Para se ter uma dimensão daquela gesta – ainda que reduzida – seria como defender dez teses de doutorado, uma em seguida da outra. Convenhamos, não haveria possibilidade de sobrevivência.

No caso do território contestado de Palmas, a Argentina reclamava praticamente todo o Planalto Catarinense, o que, provavelmente nos faria perder também o Rio Grande do Sul, pois Santa Catarina estaria reduzida à estreita planície, inclusive do ponto de vista militar, praticamente indefensável.

Quanto ao Acre, nunca foi território português e havia sido “arrendado” pelo governo boliviano a uma suspeita transnacional norte-americana e inglesa, abrindo a Amazônia ao imperialismo, de forma descarada, nos moldes do que faz a extrema direita atualmente.

Portanto, Rio Branco teve de negociar primeiro com as duas potências da época, cujos governos estavam por trás da “empresa” corsária, para depois negociar com o governo da Bolívia o território ao qual não tínhamos direito assegurado pela sucessão, pois, como dito anteriormente, jamais fora de domínio português.

Vale notar que em todas as negociações Rio Branco utilizou o princípio do uti possidetis, a posse legitimada pela utilidade.

Tratava-se de princípio do direito interno romano, que ele magistralmente traduziu para o direito internacional público.

A Constituição Federal de 1988 consagraria-o como “função social da terra”, para o direito agrário interno, uma grande inovação em termos jurídicos, recentemente celebrada também pelo Papa Francisco, que lhe reconheceu total legitimidade, o que sequer fizera a Revolução Francesa, que equiparara os direitos civis de propriedade, pactuáveis, a direitos humanos, fundamentais, universais, não pactuáveis.

A carreira de Rio Branco se completaria de forma duplamente heroica: pelas vitórias diplomáticas e por sua compreensão da generosidade que encerram.

Com efeito, sua última negociação, com o Uruguai, o tornaria mítico: o governo uruguaio solicitava apenas a livre navegação nos rios Jaguarão, Negro e na Lagoa Mirim, uma vez que os acordos fronteiriços de 1861 reconheciam ao Brasil a posse e o domínio sobre a totalidade da Lagoa. Rio Branco, entretanto, via naquele curso d’água um natural condomínio internacional, razão pela qual, de forma inusitada, conferiu ao Uruguai a partição da Lagoa Mirim, sob o argumento de que tinha importância maior para o Uruguai do que para o Brasil, tendo em vista as dimensões díspares de ambos os países.

Tão salomônica solução foi aclamada no Uruguai, que lhe deu o nome à cidade uruguaia irmã de Jaguarão, e pelo povo brasileiro, que entendeu à perfeição a perda de territorial aquático em troca da amizade eterna dos orientais.

Quanto a Tiradentes, o 21 de abril passou igualmente em silêncio. No entanto, trata-se do maior lutador anti-imperialista que o Brasil já teve. Não é pouco, em país que sequer considera seriamente sua inserção geopolítica, de terceira área mais estratégica para o império, haja vista não contar com sequer um centro de estudos do imperialismo e tampouco valorizar a obra e o pensamento de Tiradentes.

Em ambos os casos, o apagamento é claramente deliberado e segue em ritmo crescente. O feriado é apenas um dia de folga e o Dia do Diplomata, uma menção na folhinha, sem ulterior significado.

A estratégia é evidente: não permitir que percebamos o retrocesso, de fato, à condição de colônia, ao ponto paradigmático em que militar brasileiro, regiamente pago pelo contribuinte, responde a almirante estrangeiro. Nem nos piores pesadelos de Tiradentes e Rio Branco poder-se-ia imaginar algo semelhante.

Não esmoreçamos, porém, pois a libertação virá, até mesmo pela valorização de ambos os heróis – seus pensamentos e ações – e com ela todos aqueles que a pátria estão vendendo terão seus nomes inscritos no rol dos traidores: de presidentes a generais, passando por capitães…

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