Justiça

Não é com republicanismo que PT sobreviverá às investidas de extinção

Nessa semana, o Vice procurador-geral eleitoral emitiu parecer favorável ao cancelamento do registro do PT no processo em trâmite na corte.

Carteira do Partido Comunista do Brasil de Carlos Marighella. Partido foi colocado na ilegalidade por anos.
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“O parecer de Barbêdo está, de antemão, fadado à completa derrota”.

Foi com essas palavras que Carlos Marighella, então deputado federal, acalmou a militância do Partido Comunista Brasileiro (PCB) após o parecer do procurador Alceu Barbêdo favorável à cassação da sigla.

A proscrição do PCB ocorreu em 7 de maio de 1947, ano que já vinha apresentando maus agouros. A Presidência da República era ocupada pelo general Eurico Gaspar Dutra, germanófilo declarado e caricato apoiador dos EUA. Em abril, Dutra havia suspendido a União da Juventude Comunista, fundada há menos de três semanas. Na virada do mês, foi a vez da Confederação Geral dos Trabalhadores, jogada na ilegalidade junto com outra centena de sindicatos.

“A novela da cassação do registro do PCB se estendeu por mais de um ano, e no começo os ingênuos pecebistas pensaram assistir a uma comédia ligeira, e não à tragédia que se descortinava para eles”, escreveu Mário Magalhães na biografia “Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo”.

Em 16 de março de 1946, foi publicada reportagem na qual Luís Carlos Prestes, após indagado sobre a posição dos comunistas brasileiros caso o Brasil acompanhasse qualquer nação imperialista que declarasse guerra à União Soviética, respondera que “combateríamos uma guerra imperialista contra a União Soviética e empunharíamos armas para fazer resistência em nossa pátria contra um governo desses, retrógrados, que quisesse a volta do fascismo”. Prestes, contudo, ponderou “que nenhum governo tentará levar o povo brasileiro contra o povo soviético, que luta pelo progresso e bem-estar dos povos”.

Não demorou para que pleiteassem no Tribunal Superior Eleitoral o cancelamento da inscrição do PCB sob a alegação de que o partido representava os interesses de Moscou. Marighella, Prestes e cia, entretanto, estavam confiantes de que não havia problemas na legalidade do partido. De fato. Mas o buraco estava mais embaixo.

Fachada do TSE. Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

“Ingenuidade era eufemismo”, conclui Magalhães, emendando que “talvez poucas vezes no Brasil um agrupamento político tenha feito papel de bobo como o PCB”. Confiando nos compromissos firmados pelo governador Ademar de Barros e pelo próprio presidente Dutra, perceberam da pior forma que não valiam um risco na água. “Ora, ora! O papel assinado com vocês serve para limpar a bunda”, teria dito Barros a parlamentares comunistas que o lembraram dos compromissos que havia assumido com a legalidade da agremiação.

Em 2020, a história dá sinais de repeteco, agora com novos atores. No lugar do PCB, o PT. No de Barbêdo, o vice-procurador-geral eleitoral Renato Brill de Goés, que deu parecer favorável à continuidade de uma ação judicial que pede o cancelamento do registro do Partido dos Trabalhadores – ou sua extinção, em outras palavras.

 

Até os motivos se assemelham. Requentando delações colhidas na Lava Jato – algumas já analisadas em outras ocasiões, como na ação que tinha como objetivo cassar a chapa Dilma/Temer, julgada improcedente, e no processo que, também extinto e arquivado, pedia que o PT fosse reconhecido como uma “organização criminosa” –, o partido teria recebido recursos ilícitos de origem estrangeira.

O pleito de cassação do PCB foi assinado por um antigo promotor que atuara contra Marighella na corte de exceção em 1937, durante o Estado Novo. O do PT tem como autor um deputado federal do Ceará que defende a adoção de livros do torturador Brilhante Ustra e de Olavo de Carvalho nas escolas. Ambos os propositores são figuras inexpressivas, mas que, a exemplo do general Olímpio Mourão Filho e a quartelada que virou golpe em 1964, resolveram apostar alto.

O erro do PCB, aponta Magalhães, foi acreditar que a lei era o teto das disputas políticas. “O partido empenhara todas as fichas na existência legal, concentrando a atividade no parlamento, para onde escalou os dirigentes mais graduados. Nem cogitara outro cenário”. É este republicanismo que a esquerda deve evitar se quiser se manter viva.

“O parecer de Barbêdo está, de antemão, fadado à completa derrota”.

Foi com essas palavras que Carlos Marighella, então deputado federal, acalmou a militância do Partido Comunista Brasileiro (PCB) após o parecer do procurador Alceu Barbêdo favorável à cassação da sigla.

A proscrição do PCB ocorreu em 7 de maio de 1947, ano que já vinha apresentando maus agouros. A Presidência da República era ocupada pelo general Eurico Gaspar Dutra, germanófilo declarado e caricato apoiador dos EUA. Em abril, Dutra havia suspendido a União da Juventude Comunista, fundada há menos de três semanas. Na virada do mês, foi a vez da Confederação Geral dos Trabalhadores, jogada na ilegalidade junto com outra centena de sindicatos.

“A novela da cassação do registro do PCB se estendeu por mais de um ano, e no começo os ingênuos pecebistas pensaram assistir a uma comédia ligeira, e não à tragédia que se descortinava para eles”, escreveu Mário Magalhães na biografia “Marighella: o guerrilheiro que incendiou o mundo”.

Em 16 de março de 1946, foi publicada reportagem na qual Luís Carlos Prestes, após indagado sobre a posição dos comunistas brasileiros caso o Brasil acompanhasse qualquer nação imperialista que declarasse guerra à União Soviética, respondera que “combateríamos uma guerra imperialista contra a União Soviética e empunharíamos armas para fazer resistência em nossa pátria contra um governo desses, retrógrados, que quisesse a volta do fascismo”. Prestes, contudo, ponderou “que nenhum governo tentará levar o povo brasileiro contra o povo soviético, que luta pelo progresso e bem-estar dos povos”.

Não demorou para que pleiteassem no Tribunal Superior Eleitoral o cancelamento da inscrição do PCB sob a alegação de que o partido representava os interesses de Moscou. Marighella, Prestes e cia, entretanto, estavam confiantes de que não havia problemas na legalidade do partido. De fato. Mas o buraco estava mais embaixo.

Fachada do TSE. Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

“Ingenuidade era eufemismo”, conclui Magalhães, emendando que “talvez poucas vezes no Brasil um agrupamento político tenha feito papel de bobo como o PCB”. Confiando nos compromissos firmados pelo governador Ademar de Barros e pelo próprio presidente Dutra, perceberam da pior forma que não valiam um risco na água. “Ora, ora! O papel assinado com vocês serve para limpar a bunda”, teria dito Barros a parlamentares comunistas que o lembraram dos compromissos que havia assumido com a legalidade da agremiação.

Em 2020, a história dá sinais de repeteco, agora com novos atores. No lugar do PCB, o PT. No de Barbêdo, o vice-procurador-geral eleitoral Renato Brill de Goés, que deu parecer favorável à continuidade de uma ação judicial que pede o cancelamento do registro do Partido dos Trabalhadores – ou sua extinção, em outras palavras.

 

Até os motivos se assemelham. Requentando delações colhidas na Lava Jato – algumas já analisadas em outras ocasiões, como na ação que tinha como objetivo cassar a chapa Dilma/Temer, julgada improcedente, e no processo que, também extinto e arquivado, pedia que o PT fosse reconhecido como uma “organização criminosa” –, o partido teria recebido recursos ilícitos de origem estrangeira.

O pleito de cassação do PCB foi assinado por um antigo promotor que atuara contra Marighella na corte de exceção em 1937, durante o Estado Novo. O do PT tem como autor um deputado federal do Ceará que defende a adoção de livros do torturador Brilhante Ustra e de Olavo de Carvalho nas escolas. Ambos os propositores são figuras inexpressivas, mas que, a exemplo do general Olímpio Mourão Filho e a quartelada que virou golpe em 1964, resolveram apostar alto.

O erro do PCB, aponta Magalhães, foi acreditar que a lei era o teto das disputas políticas. “O partido empenhara todas as fichas na existência legal, concentrando a atividade no parlamento, para onde escalou os dirigentes mais graduados. Nem cogitara outro cenário”. É este republicanismo que a esquerda deve evitar se quiser se manter viva.

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