

Opinião
Não busquemos palácios, não é lá que se deitam raízes
Unamo-nos contra as injustiças, onde quer e contra quem sejam perpetradas


“Só há uma coisa neste mundo, à qual vale a pena dedicar toda a sua vida. É a criação de mais amor entre os povos e a destruição das barreiras que existem entre eles.”
Leon Tolstói
Neste momento em que os movimentos diplomáticos são tão intensos, cabe buscar-lhes a raiz, para tentar entender mudanças tão aceleradas.
A China e a Rússia aproximam-se; o Irã, a Venezuela e a Nicarágua resistem; os eleitores argentinos avançam; a Europa redesenha suas forças políticas, em busca da segurança socioeconômica e ambiental, após equívocos xenófobos, ainda não de todo superados.
No Brasil, como em qualquer outro país, cabe entender, em primeiro lugar, a política interna, para que se possa compreender a externa e como o País pode inserir-se no âmbito internacional.
Não busquemos palácios, não é lá que se deitam raízes.
Busquemos onde a vida é mais tênue, rarefeita, limitada; onde o ser humano faz o que nenhum outro animal faz com o semelhante: as prisões.
Em Curitiba, a mais famosa, mundialmente.
Lá, são recebidos ex-chefes de estado e de governo; juristas; intelectuais, a nata dos protagonistas internacionais, dos que pensam e dos que atuam no âmbito externo.
Mas há outros calabouços, mais obscuros. Aqueles em que a grande maioria são negros, pobres, quase a metade deles presos sem sequer terem sido julgados – o que não implica que na cela de Curitiba se encontre um culpado, todo o contrário como o heroico Glenn Greenwald tem nos mostrado nestes precisos dias.
Estaria todo o sistema repressivo interligado? Fazem sentido uma e outras prisões? A quem interessam?
Retomemos “A guerra”, de Bruno Paes Manso e Camila Nunes Dias.
No livro, descobrimos que o Banestado serviu para lavar dinheiro do crime organizado; fraude da casa dos bilhões; nenhum condenado. O juiz? Sérgio Moro.
Descobrimos também que o Primeiro Comando da Capital (PCC) busca dominar toda a cadeia do tráfico de drogas: da produção ao abastecimento. Para isso, infiltrou-se no Paraguai, na Bolívia, no Peru e na Colômbia.
Em recente viagem a Portugal, o ex-juiz Sérgio Moro manteve encontros fora da agenda divulgada com um ex-presidente da Bolívia e um candidato à presidência daquele país. Teria recebido, inclusive, o pedido de que o Brasil interviesse na Organização dos Estados Americanos (OEA) contra a reeleição do atual presidente da Bolívia, Evo Morales.
Acasos?
O pacote “anticrime” proposto por Moro ao Congresso permitirá o ingresso e porte de um número infinitamente maior de armas, o que facilitará em muito a posse de armamentos por milícias; tornará a apuração de crimes imensamente mais difícil e impulsionará ainda mais o contrabando de armas, inclusive pelas fronteiras.
Diziam os romanos: “À mulher de César, não basta ser honesta, deve parecer honesta”.
Em sentido contrário, os autores recomendam no combate ao tráfico: “A expansão do mercado de drogas precisa ser acompanhada com atenção e inteligência pelas instituições do Estado. À chegada das facções às fronteiras, a aproximação com os produtores na América Latina, a ampliação das redes a partir dos presídios e a possibilidade de alcançar mercado em outros continentes são os maiores desafios. Para lidar com esse problema, o mais importante é compreender a lógica dessa indústria, seus mecanismos de reprodução, que mesmo durante as piores crises econômicas é capaz de empregar mais gente.
A melhor estratégia parece ser atacar financeiramente essa lucrativa indústria. Apesar de sofrer resistência em diversos países e correntes políticas, a regulamentação desse mercado e a descriminalização das drogas são a forma mais eficiente de reduzir os ganhos do tráfico e controlar a violência. A capacidade de sedução do tráfico é diretamente proporcional ao dinheiro que oferece para aqueles dispostos a se arriscar. Nesse sentido, caberia ao Estado e à sociedade educar sobre os males que as drogas causam à saúde e definir limites para a venda, como ocorreu em políticas que levaram à redução do consumo de cigarros. Enquanto o mercado de drogas continuar exclusivamente na mão do crime, a alternativa para reduzir o prejuízo é a caça sem tréguas ao dinheiro gerado nessa economia.
A vida é cheia de coincidências: Sérgio Moro propôs ao Congresso a redução da taxação sobre os cigarros…
E complementam aqueles autores: “A expansão do PCC e a transformação do mercado de drogas foram efeitos colaterais de uma abordagem equivocada na área da Justiça e da Segurança Pública. A guerra que, supunham autoridades, ajudaria a controlar o crime promoveu a criação e a organização das facções criminosas, que assumiram papel de inimigos e partiram para a ofensiva, cada vez mais endinheiradas e dispostas ao embate”.
Parafraseando o Papa João XXIII e seu trinômio “ver, julgar e agir” – e adaptando-o ao ensinamento do grande Leon Tolstói – de que o maior desafio da vida é superar as barreiras, vejamos as prisões e suas dores; julguemos os acasos, coincidências e evidências, buscando-lhes o sentido; e unamo-nos contra as injustiças, onde quer e contra quem sejam perpetradas, como nos instam Jesus Cristo, o Papa Francisco e o Che Guevara.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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