Luana Tolentino

luanatolentino@yahoo.com.br

Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

“Na escola, os meninos negros são os que as pessoas mais querem bater”

Em se tratando do racismo, a omissão, o descaso e o silêncio não podem mais fazer parte do dia a dia das nossas escolas

“Na escola, os meninos negros são os que as pessoas mais querem bater”
“Na escola, os meninos negros são os que as pessoas mais querem bater”
Volta às aulas em SP tem data marcada. Créditos: EBC Volta às aulas em SP tem data marcada. Créditos: EBC
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Por Luana Tolentino

Há dez anos dedico parte da minha vida a estudantes dos ensinos Fundamental e Médio. Desde o início, a efetivação de uma educação antirracista, que respeite e valorize a diversidade étnico-racial existente no País, permeiam as minhas práticas pedagógicas.

Nesse percurso, as pedagogias elaboradas pelo Movimento Social Negro, como também o pensamento de intelectuais afrodescendentes, a exemplo de Bell Hooks, Sueli Carneiro, Nilma Lino Gomes, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Kabengele Munanga e tantos outros têm sido fundamentais para a proposição de metodologias de ensino que contribuam para a construção de uma escola democrática, inclusiva e cidadã.

Em conformidade com a Lei nº 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da História e da Cultura Africana e Afro-brasileira em sala de aula, entendo que conhecer as trajetórias de sujeitos negros e negras e suas contribuições para a formação do Brasil é um direito que deve ser garantido, sobretudo, às meninas, meninos, jovens e adultos de ascendência africana, cuja história têm sido sistematicamente omitida, silenciada e estereotipada.

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Partindo dessa premissa, em 2016, elaborei uma série de atividades que tinham como finalidade apresentar aos estudantes do 6º ano novas perspectivas acerca da comunidade negra, como também discutir a persistência do racismo e seus reflexos, inclusive em sala de aula. Para melhor compreender essa questão, pedi aos alunos e alunas que respondessem um questionário. Indaguei se em nossa escola era possível observar um tratamento diferenciado entre estudantes brancos e negros.

Passados dois anos, ainda guardo as palavras do Leonardo*, que na época tinha 11 anos de idade: “Na escola, os meninos negros são os que as pessoas mais querem bater. Os alunos negros são os mais humilhados. Racismo é uma coisa muito ruim. Eu acho que a pessoa às vezes não demonstra, mas ela se sente muito mal quando alguém trata ela de um jeito diferente só porque ela é negra.” Leonardo*, 11 anos.

O olhar atento do meu aluno revela que, apesar dos avanços, são inegáveis, os esforços e o compromisso de educadores, gestores e as políticas públicas de equidade racial implementadas no campo da educação, principalmente nos anos de 2003 a 2016, ainda não foram suficientes para extirpar o racismo e a discriminação presentes no contexto escolar.

A observação feita pelo Leonardo* corrobora com os dados apresentados na pesquisa empreendida recentemente por Rodrigo Ednilson de Jesus. Ao ouvir mais de 200 jovens com idade entre 15 e 17 anos, o docente da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FaE/UFMG) concluiu que a violência a que os corpos negros são submetidos cotidianamente atuam como “mecanismos eficientes de promoção do fracasso escolar de jovens negr@s, interferindo diretamente na longevidade escolar e, indiretamente, no alcance ocupacional destes indivíduos.”

Ainda de acordo com o pesquisador, as práticas discriminatórias têm sido uma das principais barreiras enfrentadas pelos jovens afro-brasileiros na luta pelo direito à educação. Nos dizeres de Rodrigo Ednilson, as diversas formas de preconceito motivadas pela cor da pele impactam diretamente no sucesso e na permanência dos estudantes negros nos bancos escolares. Os índices mais elevados de repetência e de evasão estão justamente nesse grupo.

Dessa maneira, cabe a nós educadores, em parceria com a comunidade escolar, com o poder público e demais membros da sociedade, empreender ações imbuídas no combate das atitudes discriminatórias que inferiorizam e desqualificam os filhos e filhas da diáspora africana. Diuturnamente, precisamos indagar os discursos e as práticas pedagógicas por nós adotadas.

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Quais bases teóricas privilegiamos nos currículos? Praticamos uma educação extremamente eurocêntrica ou contemplamos de maneira equânime os saberes produzidos pelos africanos e seus descendentes? Questionamos as narrativas presentes nos livros didáticos? De que maneira nos relacionamos com os estudantes não brancos? Qual a postura adotada pela nossa escola em casos de discriminação racial? Temos conhecimento da legislação educacional referente à educação antirracista?

Responder essas perguntas é essencial para percebermos se o nosso modo de ensinar tem contribuído para que crianças, jovens e adultos pretos e pardos tenham uma trajetória escolar marcada pela violência, pela dor e pelo insucesso. Em se tratando do racismo, a omissão, o descaso e o silêncio não podem mais fazer parte do dia a dia das nossas escolas. Conforme um ditado bastante antigo: quem cala, consente.

Luana Tolentino é mestra em Educação pela UFOP. Há 10 anos é professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana da cidade. Suas práticas pedagógicas partem do princípio de que é preciso construir uma educação antirracista, feminista e inclusiva, comprometida com o respeito, com a justiça e com a igualdade.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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