Justiça

MP de Bolsonaro ‘oficializa’ a propina e fortalece as milícias

Deve ser vista com atenção MP que, em termos vagos, visa a desresponsabilização de agentes públicos

Rio de Janeiro - Fuzileiros Navais participam de operação na favela Kelson's, zona norte da cidade (Fernando Frazão/Agência Brasil)
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Bolsonaro, que foi eleito com o discurso de combate à impunidade, editou a Medida Provisória 966, que ispõe que os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa no enfrentamento à Covid 19 “se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”. A linha que defenderemos nesse texto é no sentido de que tal MP incentiva a impunidade de agentes públicos, como também fortalece as milícias, organizações para-estatais ligadas às forças policiais que comandam comunidades e possuem representação política nas casas legislativas no país, sobretudo no Rio de Janeiro.

A ousadia da nossa tese decorre do fato dela apontar para o “não dito” em vez do dito, ou seja, em vez de olhamos para a obviedade, que é o fato da Medida Provisória beneficiar Bolsonaro, voltamos nossa atenção ao não dito: a MP 966 fortalecerá as milícias porque agora, não só por intermédio dos agentes de segurança, mas também por outros agentes de fiscalização, eles estão “liberados” para fazerem vista grossa à fiscalização em troca de propina.

Eis a nossa tese. Este, portanto, é um texto curto sobre a relação entre as milícias, necropolítica e o uso da política e do direito para manter a estrutura capitalista. A imagem a seguir dá uma noção do poder das milícias na cidade do Rio de Janeiro.

Comunidades ocupadas por milícias na cidade do Rio de Janeiro

Com a pandemia, as milícias também estão tendo prejuízos, afinal de contas, a classe trabalhadora por ela explorada não está trabalhando. Mas o capitalismo não perdoa ninguém e, como se sabe, milicianos determinaram a reabertura de comércios.

Sendo uma das principais características da milícia o fato dela estar incrustada no Estado, a Medida provisória proposta por Bolsonaro cai como uma “salvação” porque, amparados pelos vários decretos que virão, os agentes de fiscalização têm uma desculpa para fazerem vista grossa aos estabelecimentos abertos em troca de propina:

– Ué, não estava permitida a abertura deste tipo de estabelecimento?

– Sim, mas este decreto era do Presidente.

– Ah, então eu me enganei por conta dos excessos de decretos.

Moral da história: o erro está justificado e a propina “liberada” por um erro escusável, ou seja, desculpável!

Aqui é preciso entender que se o capitalismo se reinventa, a sua filha, milícia, também se reinventa. Ela funciona como um vírus que vai trocando de órgão conforme a baixa de imunidade. O próximo “órgão” a ser atingido serão os cemitérios. Mas isso será tema de outra coluna. Por ora, interessa-nos demonstrar como a medida provisória editada por Bolsonaro contribuirá para a impunidade dos agentes públicos que se negarem a fazer valer o isolamento social determinado por governadores e prefeitos.

Então, a quem se dirige a MP? Ao próprio Bolsonaro e aos membros do seu governo para não ser responsabilizado pelas mortes na pandemia, e também para os diretores do Banco Central  que gerirão o “orçamento de guerra”, neste caso a MP 966 se articula com a já aprovada PEC 10 que permite aos gestores do BACEN comprem títulos de empresas com dificuldades no mercado, como a definição de quem está ou não em dificuldades pode trazer problemas a atual MP lhes dá segurança para gastar o dinheiro do contribuinte comprando o que lhes aprouver. Por fim, o que é central neste texto, serve aos agentes de segurança, principalmente aos milicianos, que integram a segurança pública do Estado, bem como outros agentes públicos responsáveis por manterem os estabelecimentos fechados.

Foto: NakNakNak / Creative Commons / Pixabay

E para que serve a MP? Para oficializar a propina! Assim, caso o agente siga a determinação do Governador ou Prefeito, estará cumprindo a lei, mas em troca da famosa “cervejinha” ou por ideologia poderá deixar o estabelecimento funcionando, sem ser penalizado, com a desculpa de que, diante de tantos decretos, o seu erro não é grosseiro (“Art. 3º da MP 966: Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados: III- a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência.).

Ou seja: vários decretos editados fazem com que o erro não seja grosseiro e, assim, a propina pode financiar as milícias.

O não dito sobre a MP, portanto, é que ela é um estímulo à desobediência dos agentes de segurança pública, que deveriam garantir o isolamento! Parece contraditório um ex-militar propondo a desobediência na tropa, no entanto, isso é absolutamente coerente com a biografia de desobediência militar do Presidente que foi afastado do Exército, por tramar, segundo as notícias de jornais e revistas, um atentado terrorista contra uma barragem utilizada para abastecimento de água e geração de energia.

E quais os outros objetivos da MP? Ora, o Presidente vem estimulando os pequenos empresários e trabalhadores precarizados contra o isolamento, aproveitando o drama vivido por estes setores da sociedade que é, resumidamente, manter a saúde ou a sobrevivência diária. Paralelamente, vêm acusando o STF, os governadores e prefeitos de serem os responsáveis pelo infortúnio desses setores. Com isso, ele acena ao mercado e coloca a culpa de toda a crise econômica nos governadores, prefeitos, bem como nas instituições, especialmente o STF e o Congresso, sinalizando que, com um golpe, todas estas instituições não seriam mais empecilhos.

Lembramos que as PMs são a fonte de abastecimento de “mão de obra” das milícias; então temos um claro estimulo a um golpe com a utilização de Pms-milicianos em moldes parecidos com aqueles ocorridos na Bolívia, onde milicianos foram usados para invadir as instituições e agredir opositores políticos. Resta aos PMs e policiais civis preocupados com a vida da população, bem como as demais instituições, enquadrarem nos quartéis estes elementos a fim de impedir que aconteça o que estamos vislumbrando aqui.

Aliás, não é coincidência a demissão do Ministro da Saúde, Nelson Teich. Ele sabe que essa MP veio para protegê-los, mas Teich percebeu que a idéia é delirante, já que o Tribunal Penal Internacional será o destino de Bolsonaro. Então ao Bolsonaro, agora, é tudo ou nada; não há mais saída, tanto que ao lugar do Ministro Teich só lhe resta colocar um General que esteja disposto a participar com ele da tentativa de um golpe.

Encerramos com uma reflexão acerca das relações entre a necropolítica e as milícias, afinal de contas, já há inúmeros relatos de vítimas de coronavírus que estão sendo removidos sem atestado de óbito. Coincidência? Não, é a necropolítica que, em breve, privatizará os cemitérios para que desafetos de milicianos possam desaparecer e nunca mais se ter notícia ou reaparecer depois, como corpos vitimados pelo coronavírus. Entenderam por que este era um texto curto sobre milícias propina, necropolítica e o uso da política e do direito para manter a estrutura capitalista?

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