Rita von Hunty

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Drag queen intepretada pelo professor Guilherme Terreri

Opinião

Morte por todos os lados

Enquanto cidades são engolidas por nuvens de poeira lutamos para que as nossas visões não se turvem e o desespero não acabe por nos paralisa

Rita Von Hunty (Foto: Reprodução/Redes sociais)
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Existe uma tristeza imensa e um pesar profundo em perceber e comunicar que o bolsonarismo é uma ilha gigantesca, cercada de morte. À medida que nos aproximamos de três anos do pesadelo distópico, as palavras parecem perder o sentido, e o cenário de terra arrasada desafia a nossa imaginação política por um futuro melhor.

É ultrajante reconhecermos, em setores de mídia hegemônica, um discurso que busca a construção de uma “terceira via” ao advogar sobre os malefícios da “polarização” política em nosso país. Usam a palavra polarização sem pudor, consciência ou compromisso com a verdade.

De um lado da “polarização”, há a luta pela criação de um portal da transparência. Do outro, o orçamento secreto aprovado pelo Centrão. De um lado, há o Brasil tendo sido a sexta maior economia do mundo. Do outro, a maior desvalorização da moeda na história recente do País. De um lado, há um controle da inflação. Do outro, a maior inflação desde a criação do Plano Real, em 1994. De um lado, há o Brasil sendo retirado do mapa da fome da ONU.

 

Do outro, a fila por restos de ossos. Veremos que lado da polarização será apoiado por aqueles que buscam a terceira via.

Em uma República, qual o sentido da expressão “orçamento secreto”? Em qual outro lugar do mundo um ministro da Economia teria sido pego em um escândalo flagrante como o revelado pelo Pandora Papers e se manteria na função, juntamente com o presidente do Banco Central?

A CPI da Covid também expôs a realidade macabra de um setor da população que acredita que “óbito também é alta”, sob a lógica do lucro acima da vida. A “seguradora de saúde” (as palavras parecem perder o sentido) Prevent Senior foi denunciada no que deve ficar conhecido como o maior escândalo de ausência de ética médica desde os experimentos nazistas de Josef Mengele.

A população idosa atendida pela empresa foi submetida, como cobaia, a testes que levaram muitos à morte. Em São Paulo, o Ministério Público acumula denúncias de pacientes eliminados por representarem altos custos. Pacientes eram submetidos, sem a autorização da família, à ineficácia da flutamida. Idosos recebiam “Kit Covid” em consultas online e, após ter os quadros agravados, eram internados, entubados e morriam. Há denúncias, como a do senhor Tadeu Frederico de Andrade, em que a família era notificada que tratamentos paliativos seriam iniciados, para que o óbito do paciente ocorresse “com maior conforto e dignidade”, estando a família de acordo ou não.

Nossa desgraça não para por aí. O mês de novembro de 2021 foi também marcado por uma vergonhosa Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26) que mais nos preocupa do que oferece recursos para esperança. As questões ambientais e climáticas são outro campo de desastre do nosso tempo histórico. A gestão de morte à qual estamos submetidos liberou, por exemplo, em um único dia (29 de setembro), 53 novos agrotóxicos para uso extensivo em nossos solos. Desde o início de seu mandato, Bolsonaro publicou a aprovação de mais de 1,4 mil novos produtos, que se somam aos antigos ainda em uso. Hoje, há mais de 3,4 mil produtos agrotóxicos contaminando a terra e as águas do Brasil e envenenando a população.

 

Em 2019, o estado de Santa Catarina virou notícia nacional ao tornar-se palco de um dos maiores extermínios de abelhas no País: mais de 50 milhões delas morreram em menos de um mês. Segundo os especialistas, a tragédia teria relação direta com o agrotóxico Fipronil, aplicado em plantações monocultoras de soja. O exemplo das abelhas, em contraposição ao agronegócio monocultor e exportador de commodities, é um exemplo bastante ilustrativo sobre o nosso cenário político.

Sabemos que abelhas são vitais para a preservação do equilíbrio ecológico e da biodiversidade na natureza, por fornecerem um dos serviços ecossistêmicos mais reconhecidos, a polinização, que torna possível a produção de alimentos, e por atuarem como indicadores do estado do meio ambiente. Que elas estejam sendo mortas aos milhões sob uma gestão de barbaridade ecológica e pilhagem ambiental não é mera coincidência. É, sim, resultado de um plano de governo.

Enquanto cidades inteiras são engolidas por nuvens de poeira, como reflexo da destruição ambiental, lutamos para que as nossas visões não se turvem ou se distorçam, para que o desespero não nos paralise e, acima de tudo, para que a tristeza nos radicalize.

Publicado na edição nº 1184 de CartaCapital, em 12 de novembro de 2021.

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