Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Mó num Pa-Tro-Pi

Aqui em São Paulo, basta o céu amanhecer cinza, que todas as mulheres tiram as botas da sapateira

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Minha sogra morre de frio. Quando o termômetro marca 15 graus, ela já não sai mais de casa. Nem o nariz dela chega perto da janela. Acostumada a passar longos verões em terras potiguares, com aqueles insistentes 30 graus o ano inteiro, ela tem pavor do inverno.

Se alguém bate na porta, ela já imagina aquele fantasma das Casas Pernambucanas que quem tem mais de sessenta anos conhece bem. Ela nem pergunta quem bate, com medo de vir uma resposta lá de fora: é o frio!

Quando ela liga pra minha casa narrando o frio que está fazendo, a três quarteirões daqui, corro pra varanda na certeza de que está nevando ou blocos de gelo estão boiando no jardim.

Mas não é só minha sogra que passa esses dias enrolada no cobertor, meia de lã nos pés, gorro na cabeça e uma taça de vinho tinto nas mãos.

Tenho uma sobrinha que mora em Belém, onde passa um calor do Saara os 365 dias do ano. Ela arrepia só em ouvir a palavra inverno. Passamos uns dias em Barcelona, que nem faz tanto frio assim, e ela, mesmo dentro de casa, com 20 graus, ficava de casaco, luvas e gorro de lã na cabeça.

Já percebi que as brasileiras, principalmente, sentem muito frio. De manhã, quando saio de casa às sete horas, só vejo mulheres apressando o passo, esfregando as mãos, encolhidas de frio nos pontos de ônibus, bota nos pés. Aqui em São Paulo, basta o céu amanhecer cinza, que todas tiram as botas da sapateira.

Já passei muito frio nessa vida. O maior de todos foi em Estocolmo, quando fui entrevistar a rainha. Dezoito graus negativos. Para mim, a Suécia é branca.

Uma outra vez, nos meus tempos de hippie, achei que ia morrer de frio na estação de trem de Amsterdam.

Em Paris, durante muitos anos, acordava às cinco horas da manhã para preparar o café da manhã de um foyer de estudantes. Morava perto do restaurante e ia a pé, com as pontas dos dedos e do nariz, completamente congelados.

Depois de viver muitos anos num país onde fazia frio de zero grau, seis meses ao ano, não sinto frio aqui no Pa-Tro-Pi. Juro. Um moletom me satisfaz. Não uso luvas nem tenho casquete de lã.

Costumo sair para passear com o Canela à noite e fico mais preocupado com ele do que comigo. Agora, por exemplo, vejo no celular que está fazendo 11 graus lá fora. Ainda bem que a prefeitura daqui abriu as portas do metrô para acolher os moradores de rua. Distribuem cobertores e sopa quente para eles.

Estou aqui pensando na minha sogra.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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