Opinião

Milton Rondó: O discurso de Gramsci continua atual

Há exatos quatro anos do golpe que destituiu Dilma Rousseff, vale a pena identificar as raízes do fascismo nacional e internacional

Milton Rondó: O discurso de Gramsci continua atual
Milton Rondó: O discurso de Gramsci continua atual
Antonio Gramsci e um discurso que não envelhece Antonio Gramsci e um discurso que não envelhece
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“Comparado com Judas, a estratégia popular de Jesus se parece à de Gramsci diante de Lenin. Onde Judas busca o poder para transformar as condições de vida do povo, Jesus busca retirar a base do consenso sobre a qual o templo oprime o povo. Depois disso, o problema do poder poderia ser abordado de uma maneira distinta”.
Jorge Pixley

Em “A história de Israel a partir dos pobres”, obra publicada pela Editora Vozes, o historiador Jorge Pixley recorda que um certo Judas liderou, em 6 d.C., uma rebelião proletária contra o domínio romano da Palestina.

A revolta de Judas foi dominada; a do Cristo, se mantém, há dois mil anos.

Essa pode ser uma boa indicação para nós, brasileiros, que estamos sob o jugo de um governo ilegítimo, o qual também subordina nossa soberania, ao império estadunidense.

Como de Gramsci se trata, nada melhor do que conhecer o pensamento dele.

Em “Odeio os indiferentes”, obra recentemente publicada no Brasil pela editora Boitempo, Gramsci joga luz sobre vários fatores, que são similares entre a Itália fascista e o Brasil atual.

Uma das partes mais brilhantes daquela obra é a intervenção do então deputado Antonio Gramsci no parlamento italiano. Ao detectar o perigo, e denuncia projeto de lei apresentado pelos fascistas, que, na verdade, visava à censura e repressão dos sindicatos.

Na ocasião, Gramsci debate com o próprio Mussolini, também parlamentar.

O referido projeto de lei claramente preparava a “Marcha sobre Roma” e o consequente golpe de estado fascista.

Há exatos quatro anos do golpe que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, vale a pena identificar as raízes do fascismo nacional e internacional.

No debate histórico no parlamento, Gramsci, fundador do Partido Comunista Italiano – que seria o maior do Ocidente, desmascara, in limine, a tentativa fascista de imputar à contenção das conspirações maçônicas o fito do citado projeto de lei.

Ao contrário, muito corretamente, percebera ser, de fato, mais uma tentativa fascista de aprovar legislação ilegítima, que referendasse e desse legalidade ao autoritarismo, à ditadura e ao fascismo, institucionalizando-o.

Ao desmascarar a dissimulação fascista, ilumina os laços conspiratórios entre uns e outros, às expensas da democracia: “…com os maçons, o fascismo chegará facilmente a compromisso”. Tal e qual na preparação do golpe de 2016, caberia a nós brasileiros aduzir.

Mais adiante naquela fala, esclarece a respeito do processo de expropriação interno: “Na Itália, o capitalismo pode desenvolver-se na medida em que o Estado espoliou as populações camponesas, principalmente do Sul”. Aqui, foram escravizados os indígenas no Sul; explorados os migrantes do Norte e do Nordeste e sequestrados os africanos para serem utilizados como mão de obra escrava.

Explica o funcionamento do mecanismo de utilização do estado como instrumento de apropriação: “…trata-se do fato de que a cada ano o estado subtrai das regiões meridionais uma soma de impostos que não restitui de maneira alguma…somas que o estado extorque das populações camponesas meridionais para dar uma base ao capitalismo da Itália setentrional”. Como sempre soubemos, a FIESP e seus patos não foram criação original…

Na mesma obra, no manifesto “Contra a guerra”, Gramsci nos ensina a arte da reconexão e a sintetiza: “Nós sentimos o mundo; antes, o pensávamos apenas. Prossegue: “Descontemos, assim, nossa leviandade de ontem, a nossa superficialidade. Desabituados ao pensamento, contentes da vida do dia a dia, encontramo-nos hoje desarmados diante da tempestade. Havíamos mecanizado a vida, havíamos mecanizado nós mesmos. Nos contentávamos com pouco: a conquista de uma pequena verdade nos enchia de tanta alegria, como se tivéssemos conquistado toda a verdade. Evitávamos os esforços, parecia-nos inútil aventarmos hipóteses longínquas e resolvê-las, ainda que provisoriamente…Ou dávamos muita importância à realidade do momento, aos fatos, ou não dávamos nenhuma. Ou nos abstraiamos por um fato, fazendo da realidade nossa vida, hipnotizando-nos, ou o fazíamos porque nos faltava completamente o sentido histórico e não víamos que o futuro aprofunda suas raízes no presente e no passado; e os homens, os juízos que fazem, podem dar saltos, mas não a matéria, a realidade econômica e moral. Tanto maior é o dever atual de colocar ordem em nós…Deveria haver, junto com o jornal, as organizações econômicas, o partido político, um órgão de controle desinteressado, que fosse o fermento perene de vida nova, que fomentasse, aprofundasse e coordenasse as discussões, para além de qualquer contingência política e econômica”.

Conselhos tão atuais, embora datados de 1917, que poderiam ter sido escritos para o Brasil de hoje.

Que nós possamos ser sábios e dar lhes a acolhida que merecem, vindo de um homem que nem a prisão, por onze anos, nem o sepulcro, há bem mais de meio século, puderam calar, pois se tornou não apenas o maior filósofo político do século XX, mas também o homem de ação que fundou e guiou o PCI, que singraria e sangraria o “socialismo real”, dando à América Latina e ao mundo renovadas e reais utopias de democracia, igualdade e justiça.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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