Opinião
Midas ao revés, direita brasileira tudo degrada em deserto e morte
No passado, ao menos, tinham algum verniz de civilidade. Basta ver os teatros municipais do Rio e de São Paulo, referências arquitetônicas e culturais, ainda que elitistas
“O desenvolvimento humano oferece duas alternativas, a do amor e a do poder. A via do poder, que é subjacente à maior parte das culturas, conduz a um eu que reflete a ideologia da dominação. Um eu desses assenta num estado de fragmentação, mais concretamente naquela cisão no eu que recusa o sofrimento e o desamparo como sinais de fraqueza e, ao mesmo tempo, põe em relevo o poder e a dominação como meios de negar o desamparo. A obtenção do que na nossa civilização passa por sucesso pressupõe um eu assim constituído. Tal situação representa a antítese da autonomia” – Arno Gruen
Infelizmente, vemos que o poder muitas vezes é utilizado em proveito próprio: ao invés de servir ao próximo, locupleta-se dele.
Isso fica claro em todos os estados governados pela direita no Brasil.
Em São Paulo, a privatização da Sabesp não está dissociada da consequente contaminação por esgoto de mais de 50 praias do litoral paulista.
No Rio Grande do Sul isso também é visível da forma mais clara: a praça em que fica o Palácio Piratini, sede do governo, outrora viva de manifestações populares, tornou-se um virtual cemitério, haja vista que o desgovernador privatizou os serviços de água, luz, transportes etc. O prédio tornou-se um monumento histórico. Só isso.
Seria algo como o mito do rei Midas, aquele que tudo o que tocava virava ouro; a direita local, ao contrário, tudo degrada em deserto, excrescência, morte.
Essas pobres almas sebosas não têm horizontes que ultrapassem suas contas bancárias, os convites para repastos com a oligarquia e viagens prêmio a Miami.
Parece pouco – e é.
No passado, ao menos, tinham algum verniz de civilidade. Basta ver os teatros municipais do Rio e de São Paulo, indiscutíveis referências arquitetônicas e culturais, ainda que elitistas.
Hoje o qualificativo “municipal” não é sinônimo de quase mais nada: nem de cultura, nem de arquitetura, nem de gestão, em qualquer campo da atividade pública em que a direita reine.
Por sorte, do outro lado da praça onde se encontra o Palácio Piratini, em Porto Alegre, está a Assembleia Legislativa, que demonstra estar viva e prenhe de ideias.
Com efeito, na semana passada, hospedou importante debate sobre a mobilidade urbana, com base na tarifa zero.
A iniciativa foi do deputado Miguel Rossetto e contou com a participação do deputado federal Jilmar Tatto, ambos do PT.
Tatto recordou o pioneirismo da também deputada federal pelo PSOL Luiza Erundina na discussão do tema, a qual, aliás tem proposta de PEC que contempla a mobilidade gratuita.
Tatto citou o caso de cidade do interior de São Paulo, próxima a Sorocaba, que, após implementar a catraca livre, viu a população rural afluir ao meio urbano, trazendo sua produção e estimulando, assim, o comércio, com maior e mais diversificada oferta.
Ao lado disso, as noites de sexta-feira passaram a ficar mais animadas de gente nas ruas, a tal ponto que o prefeito teve de organizar atividades culturais em praças e outros espaços públicos, todos ganhando, consequentemente, com a maior e melhor oferta cultural e sociabilidade.
De fato, a mobilidade está na base da convivência humana.
Um exemplo radical: ela está diretamente ligada, em relação inversa, até mesmo ao tráfico de drogas, pois na medida em que os agricultores não podem escoar sua produção, seja pela inexistência de estradas ou pelo alto custo dos fretes, a tentação de cultivar o ilícito muitas vezes se torna um imperativo de sobrevivência. Para isso basta verificar as regiões isoladas em que esses cultivos geralmente ocorrem.
Um dado importante trazido ao referido debate sobre a tarifa zero é que um passageiro de ônibus polui 11 vezes menos do que aquele viajando em veículo.
Em Uma Ecologia Decolonial (editora Ubu), Malcom Ferdinand faz um interessante diagnóstico sobre a indiferença da direita com relação ao coletivo: “A recusa do mundo do indiferente é o abandono de uma preocupação com o outro…o indiferente designa a atitude ativa pela qual um muro psíquico e/ou físico é erigido diante do rosto dos outros, delimitando o perímetro dos objetos de uma preocupação.”
No limite, não é essa a postura de Trump com relação aos imigrantes?
O menosprezo total dele pela vontade dos venezuelanos não se materializa em muros, exclusões e tentativas de invasão?
Em 1492, Anacaona (editora Jandaíra), Paula Anacaona retraça a gênese desse estranhamento pelo outro, no próprio Colombo: “Pouco a pouco, notamos uma mudança em Colombo, uma alteração radical na sua percepção dos nativos. O maravilhamento inicial deu lugar à praticidade – obter o máximo de riqueza possível – e à crítica. As qualidades dos nativos são invertidas: de pacíficos, tornam-se agora agressivos ou mesmo sanguinários, impróprios para o trabalho e totalmente preguiçosos. Colombo passou da admiração à desconfiança e ao desprezo. As primeiras descrições dos taínos, a insistência em louvar sua bela estatura e seu espírito dócil – era admiração ou já um sinal do olhar frio do futuro escravagista? Cristóvão Colombo transformou os taínos em sub-humanos – uma atitude necessária para escravizar uma população inteira.”
A história se repete como farsa, já dissera aquele senhor Carlos, de Trier…
Em um âmbito mais psíquico, o medo do outro não é, no fundo, temor de si próprio?
Em Seja Homem (editora Dublinense), JJ Bola recorda: “De fato, em várias sociedades pré-coloniais ao redor do planeta, a sexualidade e o gênero eram fluidos, livres e não limitados ao simples binarismo.”
Que pavor isso deve ter causado ao genovês Colombo! Idem para o obtuso republicano estadunidense, supostamente pedófilo.
Malgrado ambos, a vida segue e a liberdade, como já sabiam os inconfidentes, pode tardar, mas, de natureza, é certa.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.
Leia também
Quando Bolsonaro pode receber liberdade condicional, segundo Vara de Execuções
Por CartaCapital
Moraes autoriza atendimento médico a Bolsonaro na prisão
Por CartaCapital
Governo Lula demite ex-secretário da Receita envolvido no caso das joias de Bolsonaro
Por Vinícius Nunes



