

Opinião
Memórias de um craque
O goleiro Manga, que morreu aos 88 anos, possuía uma inteligência admirável e sempre conseguia se encaixar nas equipes campeãs


Bastou eleger o juiz como a personalidade de um jogo do Campeonato Brasileiro que, em menos de uma semana, a crise no departamento de árbitros despencou.
Uma dezena de suspensões, envolvendo juízes, bandeirinhas e até o VAR foi suficiente para reacender uma velha discussão: a profissionalização da arbitragem.
Confesso que, como a maioria, pensei que esse assunto já estivesse resolvido, mas, mais uma vez, ele surge no debate.
Essa mesma discussão já ocorreu, por muito tempo, com a direção dos clubes.
O volume de recursos que cercam o esporte nos dias de hoje tornou imperativo que os funcionários responsáveis pelas questões financeiras se profissionalizassem.
Mas, embora a transparência seja sempre o melhor caminho, fica no ar uma pergunta importante: como será resolvida a questão dos pontos para os clubes e os direitos dos prejudicados, considerando que as entidades já reconheceram os erros cometidos pelas equipes de arbitragem?
Esta semana, no entanto, além de tratar dos problemas sem fim do nosso futebol, quero fazer uma homenagem.
A morte do goleiro Manga, que completaria 88 anos ainda este mês, trouxe à tona, em minha memória, um “instantâneo” do período que o craque atravessou.
Nascido Haílton Corrêa de Arruda, em Recife, Manga morreu na terça-feira 8, no Rio.
Para mim, foi marcante acompanhar a carreira de Manga desde sua chegada ao Botafogo para os testes, quando ainda jogava nas categorias de base – o que corresponde hoje ao sub-20.
Manga já havia disputado dois campeonatos da segunda divisão, jogando pelo tradicional XV de Jaú, sua cidade natal, no interior de São Paulo.
Naquela época, a legislação permitia que clubes profissionais escalassem até quatro jogadores amadores, desde que estivessem registrados na Federação Estadual e na Confederação Brasileira de Desportos (CBD), que abrangia todos os esportes até a criação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Isso significava que, mesmo sendo amadores, os jogadores tinham vínculos contratuais, o que fazia com que sua transferência só fosse permitida após um estágio de um ano em outro clube.
O calendário do futebol, após as férias e as festas de fim de ano, começava com excursões ao exterior para os times que tinham essa opção, além de períodos de preparação e amistosos pelo Brasil. Era o início de 1965.
O time do Botafogo partiu para a excursão de praxe, mas Manga ficou no Rio de Janeiro para se recuperar de uma lesão, e embarcou apenas dez dias depois.
Também permaneceram no Rio Garrincha, prestes a deixar o clube, Quarentinha, que estava saindo, e Zagalo, que havia parado de jogar, mas decidiu estender seu contrato. Outros profissionais que não viajaram continuaram treinando.
Manga e os demais veteranos treinavam com os “juvenis”, batendo bola com os goleiros. E são esses os momentos que ficaram gravados na minha memória.
Aos 17 anos, fui treinado pelo Paraguaio (ídolo do clube), ao lado de outros ídolos, como Garrincha.
Do meio-campo, meu maior desejo era passar a bola para o Garrincha, sempre ao meu lado. São vívidas as imagens do Quarentinha, cuja perna esquerda, com seu “canhão”, batia forte na bola, e do querido Manguinha, que adorava treinar por horas.
Ele ficava furioso quando Zagalo, com um chute mais fraco e colocado, tomava a vez: “Sai pra lá com esse chaveco!” Muita alegria e cumplicidade marcaram aquele período.
Manga, apesar de não ser alfabetizado, possuía uma inteligência admirável e transitava com facilidade pelo meio do futebol, sempre se encaixando nas equipes campeãs.
Ele passou por clubes como o Internacional–PA, o Nacional do Uruguai, o Coritiba e até clubes do Equador.
São incontáveis as histórias espetaculares sobre Manguinha. Sua marca registrada era saltar de mão trocada para fazer uma defesa, caindo no chão de forma esguia, como um galho seco.
Todo ano, Manga era aguardado no Peru, onde tinha uma torcida fiel. Eu, infelizmente, nunca consegui fazer a visita prometida a Manga em Paquetá. Não deu tempo.
Por fim, é importante destacar o futebol feminino.
Na terça-feira 8, a Seleção Brasileira de Futebol Feminino venceu os Estados Unidos de virada por 2 X 1, em amistoso. Foi a primeira vez, em dez anos, que elas venceram as americanas em casa. •
Publicado na edição n° 1357 de CartaCapital, em 16 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Memórias de um craque’
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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