‘Marxismo cultural’ precisa ser enfrentado com argumentos e debates

O “marxismo cultural” precisa ser enfrentado com argumentos lógicos e debates, não com o incêndio da universidade

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Nos seus primeiros cem dias, o governo Bolsonaro tentou responder aos anseios dos seus eleitores. Apresentou dois robustos projetos à Nação (como é natural, com alguns aspectos discutíveis) que se conformam com suas promessas eleitorais. A prioridade foi dada à “reforma Guedes” pela perigosa situação fiscal produzida por um sistema previdenciário que nos leva, seguramente, à insolvência e, no limite, a uma grave inquietação social acompanhada de uma nova experiência inflacionária. A “reforma Moro” caminha paralelamente e ataca o gravíssimo problema da segurança nacional. O Estado constitucional parece ter perdido a capacidade de atender à sua mais fundamental função: dar segurança física ao cidadão. Pior, cedeu espaço ao Estado paralelo do tráfico de drogas e das milícias.

As duas reformas encontram-se, agora, em discussão no Congresso Nacional, a fonte do poder representativo da sociedade, isto é, a quem ela elegeu para controlar as propostas do presidente, que também escolheu nas urnas, e aprovar o que achar conveniente e estiver conforme à Constituição. E, no final, fiscalizar a boa execução do Orçamento.

O maior tumulto do governo, até agora, encontra-se na área crítica da Educação. Nela parece reinar uma absoluta falta de administração bem acompanhada por uma furibunda reação ideológica à crítica da Academia que ela não sabe combater sem medidas arbitrárias e que, no fim, comprometem a democracia.

Suspeito que 25 de abril será lembrado como o dia da “mesquinhez”. Nele, em 2019, o governo Bolsonaro “partiu para a ignorância” contra os conhecimentos que prometem a possibilidade da construção de uma organização social onde os homens gozariam de paz e relativo conforto, além de revelar um regressivo espírito autoritário. O encarregado da educação nacional, sem mais aquelas, insistiu, sob o olhar aprobativo do presidente, numa proposição inimaginável. Disse ele, “Imagine uma família de agricultores cujo filho entrou na faculdade e, quatro anos depois, voltou com o título de antropólogo”, coisa absolutamente inútil para os negócios da família. O que sugeriu o John Dewey tupiniquim? Que “o filho deveria ter estudado na faculdade de medicina veterinária”, coisa prática. Com tal aprendizado poderia prosseguir e melhorar a atividade de seu pai, na qual seu avô revelou ter o mesmo talento do seu tataravô!

Mas, afinal, que sociedade é essa? Talvez uma lamarckiana, onde o DNA, pela repetição geracional, reproduziria “homens-agrários-naturais”, condicionados geneticamente, como se reproduzem as “formigas operárias”. É o oposto do que propõem as ciências sociais (antropologia, sociologia, direito, economia) em busca de um conhecimento social (nunca será uma ciência) que, convertido em instituições adequadas, ajudará a construir uma sociedade “justa”, na qual o menos favorecido de seus membros encontrará o conforto da solidariedade tribal, a equidade, a ausência de preconceitos de qualquer natureza e terá condições de realizar-se dignamente com o próprio esforço.

E o que dizer da condenação do conhecimento filosófico num governo que reconhece como seu “guru” alguém que se pretende filósofo? Pois bem. O conhecimento filosófico é fundamental para apaziguar os espíritos mais inquisidores que não se cansam de procurar uma explicação razoável para entender por que, arte do destino, o homem – um acidente aleatório de um óvulo e um espermatozoide – está aqui e para quê? Não há outro conhecimento que dê mais humildade e gere mais dúvidas aos mais brilhantes portadores das “ciências duras”.


A proposição ideológica do governo para a Educação segue a mesma linha de outras. Recusa a evidência empírica. Os programas de pesquisa em “ciências humanas” que dependem de financiamento federal não chegam a 20% do total, ou seja, para cada real gasto neles, quatro são postos nas “ciências duras”. A crítica instantânea e bem informada a tal ideologia veio de físicos renomados. Paulo Artaxo, da USP, declarou no Estado de S. Paulo (27 de abril, página A16): “É exatamente nesses momentos de crise que não é importante física, química, biologia. São importantes as ciências que lidam com as necessidades básicas e fundamentais da sociedade”. E Leandro Tessler, da Unicamp, declarou na Folha de S.Paulo (27 de abril, página B4) que “Nenhum lugar do mundo tem universidade de prestígio sem humanas, Filosofia, Sociologia, História. Isso é muito importante para saber que nazismo não foi de esquerda, por exemplo”.

Para responder ao espírito crítico do “marxismo cultural” é preciso enfrentá-lo, com argumentos lógicos e antropológicos, e debater à luz do dia, não incendiar a universidade e tentar substituí-lo pelo seu equivalente – de sinal contrário – o “direitismo cultural”. 

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