Justiça

Marcha do Fascismo sufoca o Brasil, que luta para respirar

Até quando aguentaremos os joelhos murchos de Bolsonaro sobre os nossos pescoços?

Ato do Dia Internacional da Mulher na Avenida Paulista, centro de São Paulo. Foto: Roberto Parizotti / Creative Commons
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O panorama vai se deteriorando dia a dia. Avançando, escalada a escalada, os acenos com a autocracia. Medindo, como em cabo de guerra, músculos, força e resistência. Normalizando, pela repetição insistente, os absurdos inormalizáveis. Testando o elástico, puxão a puxão, até onde ele possa esticar. Mas o cenário, incansável, continua degenerando, em ritmo frenético e voraz. Vai capturando, em sua máquina de guerra, os afetos e os desejos. Obstinado, não nos deixa tempo para a tomada de ar.

Vinte e cinco de maio de 2020, Estados Unidos, Minneapolis, estado de Minnesota. George Floyd, um afro-americano de 46 anos, agonizou até perder completamente o ar. O policial Derek Chauvin pressionou o joelho pesadamente em sua garganta, por cerca de oito minutos, enquanto os colegas de farda, Tou Thao, Thomas Lane e TJ. Alexander Kueng apenas observavam impávidos. O motivo: uma possível nota falsa de vinte dólares, dada por George Floyd em um loja. A ironia do capitalismo: uma vida negra vale menos que vinte dólares.

Em um estado de institucionalização dos absurdos, ele agonizou até a morte, vítima do racismo que virou política de estado. Seus últimos lamentos marcarão a década, quiçá o século, dizendo, repetidamente: “I can’t breathe! I can’t breathe!”. Suas palavras soam como o prenúncio do que nos espera nos próximos anos de crise climática. Um retrato perfeito do sufocante tempo presente. George Floyd não conseguia respirar!

Ele não podia respirar – foi o seu grito nos últimos segundos de vida, em um tempo esquizofrênico no qual até o ar é mercantilizado. Sucumbiu usando o seu último fôlego, protestando contra aqueles que deveriam protegê-lo.

Ano de 2020: os corpos mortos pela COVID-19 não cansam de proliferar. Eles não conseguem respirar! Morrem decrépitos em filas de hospitais, invisibilizados, desumanizados, sem respiradores ou socorro possível. Agonizam sem conseguirem o oxigênio. “We can’t breathe! We can’t breathe!”. Eles não podem respirar! Notadamente, os pobres e negros. As mortes pelo coronavírus também expõem as mazelas do racismo. Não apenas aqui, mas em todo o planeta, evidencia-se toda uma arquitetura da desigualdade. No Brasil, são mais de 32.688 mortos, sem contar a subnotificação de um país que, estruturado na mentira, deixou de contabilizar os corpos para não ter que lidar com a verdade de sua própria necropolítica.

Necrofascismo e a repetição da história

Não bastaram os movimentos que acenam com o autoritarismo, comuns mesmo em época de pandemia, pedindo intervenção militar e fechamento do STF, com a concordância criminosa do chefe do Executivo. Eles crescem capturando as bordas, avançando, gradualmente, a escalada.

Em janeiro, o então secretário especial da Cultura, Roberto Alvim, plagiando fala pública de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda do governo de Adolf Hitler, é exonerado. Em 31 de maio, em meio à pandemia, é o próprio Bolsonaro quem sobrevoa de helicóptero a Explanada, prestigiando o movimento antidemocrático que pedia o fechamento do Supremo. Após o vôo, desfilou em um cavalo, em claro aceno a Mussolini, pai do fascismo.

Em São Paulo, inspirados pelos movimentos nos EUA, grupos de torcidas organizadas antifascistas vão às ruas protestar, enfrentando, particularmente, o movimento pró-Bolsonaro, que acena, de forma cada vez mais explícita, com autoritarismos diversos, para além das pautas antidemocráticas já conhecidas, como o fechamento do Congresso e do STF. Desta vez, portava a bandeira da Pravy Sektor, partido da Ucrânia associado ao neonazismo. O símbolo do bastão de baseball, com os dizeres “diálogo”, também não foi ocasional. Em resposta, a polícia militar atuou de forma mais contundente contra os antifascistas, quando, em tese, ninguém deveria ser contra o antifascismo.

Em Brasília, em ato contra o STF, bolsonaristas do pequeno grupo “300 do Brasil”, liderados por Sara Winter – cujo pseudônimo remete a uma espiã nazista – apareceram mascarados e segurando tochas, em alusão performática simultânea à Ku Klux Klan, grupo de supremacistas estadunidenses que perseguiam negros, ao confronto em Charlottesville e, ainda, à “Marcha das Tochas” da Alemanha nazista, feita logo após a chegada de Hitler ao poder. A associação ao neonazismo é mais do que clara. Como se não bastasse, Bolsonaro apareceu mais tarde em uma live, tomando um copo de leite, em alusão simbólica e não coincidente aos grupos supremacistas.

Nos EUA, onda de protestos, mesmo em meio à pandemia, reclamam a morte de George Floyd, levando Trump a se esconder no bunker da Casa Branca. A delegacia foi posta em chamas. No Brasil, João Pedro, assim como vários outros jovens, são vítimas do genocídio do povo negro em operações policiais.

Miguel, no Recife, uma criança negra de 5 anos, foi levada, em plena pandemia, pela sua mãe, para o trabalho doméstico em uma casa de família. Enquanto a mãe passeava com os cachorros da casa, Miguel entrou no 9º andar e acabou caindo. Sari Corte Real, esposa de Sérgio Hacker, prefeito de Tamandaré, patroa que deveria estar zelando pela criança, ocupada com a manicure, permitiu que ele entrasse sozinho no elevador para ir, desesperado, atrás de sua mãe Mirtes, rumo ao trágico desfecho da queda. Mais uma vítima do racismo institucionalizado.

Até quando vamos suportar os constrangimentos, com os joelhos do bolsonarismo, cerrados sobre os nossos pescoços? Quantos mais corpos terão que sucumbir? E até quando a mantra de que as “instituições estão funcionando normalmente” será repetida? Como com George Floyd, não é momento de assistirmos, impávidos, as iniciativas autoritárias, reacionárias e obscurantistas que tomaram conta do Brasil. Quando despertarmos para os acontecimentos, talvez não haja ar pra puxar. A história, de sua parte, não cansa de se repetir, e não haverá oxigênio que sustente a saúde de nosso país.

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