Justiça

Manual prático de construção do muro dos “isentões”

Adeptos do muro da indiferença adotam argumentos, posturas e omissões que relembram muros que deixaram estragos na história

Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag. Brasil
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Ao Herói Brasileiro e Pracinha Cel. Antônio Alexandrino Correia Lima,

falecido em 03/01, com 101 anos de dignidade à esquerda.

Gramsci, revolucionário e filósofo – preso político no regime fascista de Roma, desprezava indiferentes: viver “quer dizer tomar partido. Quem verdadeiramente vive, não deixa de ser cidadão e partidário. A indiferença e a abulia são parasitismo, são covardia… o peso morto da história”. Jesus, revolucionário e rabino – preso político no regime imperial de Roma, idem: “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente… porque és morno, vomitar-te-ei da minha boca”. Hilberg, historiador do holocausto: “A neutralidade equivale a nada, além de ajudar o lado mais forte numa luta desigual”.

Ilustremos com uma metáfora subindo o monstruoso muro da indiferença: fundação está para a covardia, os pilares correspondem à hipocrisia e os tijolos são as omissões. Na pintura usava-se o ingênuo autoengano – desde Freud está em falta! Agora, tinta é a cor cidadão-de-bem. Alta bunda assentada, comenta disputas, preocupado pouco com regras e nada com resultados. Arquitetural habitat do discurso para baixo: “eu entendo sua revolta”, “conte comigo”.

O muro necessita de argumentos e posturas. Forçar equilíbrio em situações assimétricas, uma trapaça! Igualar empregado e patrão, uma maldade. Defender displicência bélico-policial na favela (bala perdida não acha rico), uma covardia. Defender extrema-direita neofascista aqui e agora apontando o dedo para Stálin, um embuste. Nivelar lugar de fala do opressor (goza no conflito) e do oprimido (defende-se quando pode), uma corrupção. Vlogs, palestras e sentenças cegam multidões ébrias de fake news incapacitantes. Fatalismo contra a revolta; masturbação mental, nunca soluções.

Um código de condutas para os adeptos do muro. Manipule o medo de algo (real ou fictício) e aponte um inimigo. Opõe-se ao paradigma neoliberal, indígena, afro ou imigrante? Já têm alvo nas costas. Complexificou ou faz parte do fluxo migratório? Linchem esses tais ladrões de empregos. O antissemitismo europeu constitui as culturas. Aqui, o racismo contra negros e qualquer ódio latente serve. Totalitarismos precisam da adesão emocionada das massas. A direção é da elite, não é mesmo?

Chame oposição de esquerdista e corrupta – sem tratar de qualquer conceito. Faça discurso moralista, de retorno ao passado mítico reescrito conforme seus interesses. Seja paladino contra a corrupção dos outros (a própria, não vem ao caso). Anele o militarismo dum mundo uniforme (e violento sob comando). Incentive grupos paramilitares a intimidar adversários com práticas terroristas. Pratique baixaria verbal, pois perderia num debate.

No passado, muitos muros inspiram. Veja a lógica dos indiferentes na ascensão do nazismo. Ruth Weiss lembra: após as piores opiniões serem toleradas por governos e formadores de opinião, passou-se às atitudes criminosas. Após as vitórias do partido de extrema-direita AfD, disse: Nos anos 80 e 90, isso simplesmente não estava em questão… é muito perigoso, não só para os judeus eu tinha uma resposta muito simples: a Alemanha de hoje não é a de 1930… Hoje, só posso dizer que 2019 não está muito longe de 1930”.

Aplica-se à Itália, à Alemanha e à Espanha no início do Século XX. Mutatis (pouco) mutandis, ao Brasil d’agora. Projeta-se a sombra sebosa do passado. Parte da indústria da morte era formada, inclusive, pelos que morreriam. Hoje: negros contra políticas de cotas, LGBTs negando homofobia e mulheres antifeministas.

Voltando à Alemanha, diretrizes da SS para o Conselho Judeu de Teresienstadt, que preparava as listas: números, sexos, profissões e idades. Mais: distribuíam as estrelas de identificação, ensinavam orações resignadas e criaram milícias policiais nos guetos, evitando revoltas. Salvaram a si próprios e aos membros da elite. Eichmann trasladava-os para Auschwitz. Confrontados depois, bodejaram: “O que podíamos fazer? Era melhor algum conforto do que o caos…”.

Vale dizer, contudo, que tal resignação nem sempre colava: “durante a preocupacão soviética da cidade de Feodosiya… 1941-42… colaboracionistas foram mortos a machadadas após responderem “por que toleraram que os alemães fuzilassem os judeus?”” (in A Destruição dos Judeus Europeus).

Ah, a tentação de evitar o confronto – e tomar a casa do vizinho morto! Silêncios eloquentes, úteis aos totalitários. Não denunciam abusos, violência ou censura: querem “ouvir os dois lados”. Sofismam resistências. Ensinam a paz dos cemitérios. Abjetos por banalizarem o mal. História repetida. Não é possível “converter” (neo)fascista ou isentão. Não foram convencidos, mas foram derrotados. Serão de novo.

Ao Herói Brasileiro e Pracinha Cel. Antônio Alexandrino Correia Lima,

falecido em 03/01, com 101 anos de dignidade à esquerda.

Gramsci, revolucionário e filósofo – preso político no regime fascista de Roma, desprezava indiferentes: viver “quer dizer tomar partido. Quem verdadeiramente vive, não deixa de ser cidadão e partidário. A indiferença e a abulia são parasitismo, são covardia… o peso morto da história”. Jesus, revolucionário e rabino – preso político no regime imperial de Roma, idem: “Conheço as tuas obras, que nem és frio nem quente… porque és morno, vomitar-te-ei da minha boca”. Hilberg, historiador do holocausto: “A neutralidade equivale a nada, além de ajudar o lado mais forte numa luta desigual”.

Ilustremos com uma metáfora subindo o monstruoso muro da indiferença: fundação está para a covardia, os pilares correspondem à hipocrisia e os tijolos são as omissões. Na pintura usava-se o ingênuo autoengano – desde Freud está em falta! Agora, tinta é a cor cidadão-de-bem. Alta bunda assentada, comenta disputas, preocupado pouco com regras e nada com resultados. Arquitetural habitat do discurso para baixo: “eu entendo sua revolta”, “conte comigo”.

O muro necessita de argumentos e posturas. Forçar equilíbrio em situações assimétricas, uma trapaça! Igualar empregado e patrão, uma maldade. Defender displicência bélico-policial na favela (bala perdida não acha rico), uma covardia. Defender extrema-direita neofascista aqui e agora apontando o dedo para Stálin, um embuste. Nivelar lugar de fala do opressor (goza no conflito) e do oprimido (defende-se quando pode), uma corrupção. Vlogs, palestras e sentenças cegam multidões ébrias de fake news incapacitantes. Fatalismo contra a revolta; masturbação mental, nunca soluções.

Um código de condutas para os adeptos do muro. Manipule o medo de algo (real ou fictício) e aponte um inimigo. Opõe-se ao paradigma neoliberal, indígena, afro ou imigrante? Já têm alvo nas costas. Complexificou ou faz parte do fluxo migratório? Linchem esses tais ladrões de empregos. O antissemitismo europeu constitui as culturas. Aqui, o racismo contra negros e qualquer ódio latente serve. Totalitarismos precisam da adesão emocionada das massas. A direção é da elite, não é mesmo?

Chame oposição de esquerdista e corrupta – sem tratar de qualquer conceito. Faça discurso moralista, de retorno ao passado mítico reescrito conforme seus interesses. Seja paladino contra a corrupção dos outros (a própria, não vem ao caso). Anele o militarismo dum mundo uniforme (e violento sob comando). Incentive grupos paramilitares a intimidar adversários com práticas terroristas. Pratique baixaria verbal, pois perderia num debate.

No passado, muitos muros inspiram. Veja a lógica dos indiferentes na ascensão do nazismo. Ruth Weiss lembra: após as piores opiniões serem toleradas por governos e formadores de opinião, passou-se às atitudes criminosas. Após as vitórias do partido de extrema-direita AfD, disse: Nos anos 80 e 90, isso simplesmente não estava em questão… é muito perigoso, não só para os judeus eu tinha uma resposta muito simples: a Alemanha de hoje não é a de 1930… Hoje, só posso dizer que 2019 não está muito longe de 1930”.

Aplica-se à Itália, à Alemanha e à Espanha no início do Século XX. Mutatis (pouco) mutandis, ao Brasil d’agora. Projeta-se a sombra sebosa do passado. Parte da indústria da morte era formada, inclusive, pelos que morreriam. Hoje: negros contra políticas de cotas, LGBTs negando homofobia e mulheres antifeministas.

Voltando à Alemanha, diretrizes da SS para o Conselho Judeu de Teresienstadt, que preparava as listas: números, sexos, profissões e idades. Mais: distribuíam as estrelas de identificação, ensinavam orações resignadas e criaram milícias policiais nos guetos, evitando revoltas. Salvaram a si próprios e aos membros da elite. Eichmann trasladava-os para Auschwitz. Confrontados depois, bodejaram: “O que podíamos fazer? Era melhor algum conforto do que o caos…”.

Vale dizer, contudo, que tal resignação nem sempre colava: “durante a preocupacão soviética da cidade de Feodosiya… 1941-42… colaboracionistas foram mortos a machadadas após responderem “por que toleraram que os alemães fuzilassem os judeus?”” (in A Destruição dos Judeus Europeus).

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