Justiça

“Mamata” da Secom resume a moral do bolsonarismo

Governo eleito com um discurso que anunciava que “acabou a mamata”, na verdade mostrou que a mamata está apenas começando

O chefe da Secom, Fabio Wajngarten (Foto: Anderson Riedel/PR)
Apoie Siga-nos no

Em 2017, o então deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), hoje secretário da Previdência do governo Bolsonaro, fez, durante sessão da Comissão de Educação da Câmara, referência ao “decálogo de Lênin”, um compilado atribuído ao líder comunista onde, dentre outras sandices, incita correligionários a acusar e xingar seus adversários do que estes mesmos correligionários são. O objetivo era o de arranhar a imagem de Paulo Freire e sua obra mais conhecida, Pedagogia do Oprimido. Empolgado, Marinho colocou na conta do educador até o incentivo a fuzilamentos.

Concluídos seus delírios, Glauber Braga (PSOL-RJ) o interpela e pede ao colega a referência do livro em que Lênin escreveu isso, além da página de Pedagogia do Oprimido onde Freire defende fuzilamentos. Marinho se compromete a passar essas informações na mesma tarde. Não há, entretanto, notícias de que tenha feito isso – até por que mentiu, descarada e deslavadamente, tanto quanto ao líder revolucionário como no que diz respeito ao educador pernambucano.

Adiantando-se ao governo do qual faria parte, o que o ex-parlamentar fez foi reproduzir fake news. Das mais preguiçosas. A veracidade do “decálogo de Lenin” não resiste a uma pesquisadela no Google. Marinho, que costuma reivindicar a condição de intelectual liberal, não teve vergonha de alardear uma corrente de Whatsapp em transmissão nacional, estupidez da qual nem o submundo do bolsonarismo e sua usina de notícias falsas seria capaz.

Pablo Capistrano, escritor, dramaturgo e professor de filosofia e direito do IFRN, foi um dos que receberam a corrente, repassada com ares de documento histórico. “A primeira vez que essa listinha passou pela telinha do meu celular me veio à mente, na hora: “Meu Deus! Eles imaginam Lênin como um hippie chapado de ácido assistindo o show de Jimi Hendrix em Woodstock!”, pensou, emendando que “mesmo antes de fazer qualquer pesquisa rudimentar pela internet para averiguar essa história de ‘decálogo de Lênin’, ou mesmo consultar na minha biblioteca os volumes das obras escolhidas do líder da revolução de 1917, publicadas nos anos de 1980 pela Editora Alfa-Omega de São Paulo, eu já sabia que o tal texto era mais uma fake news do tipo daqueles que discorrem sobre mamadeiras de pirocas ou kits gays, e que parecem dar cria, aos montes, na selva virtual”.

Uma das orientações do infame decálogo é a de ser desavergonhadamente desonesto. Outra afirma que só é para falar em democracia se for da boca para fora. Marinho mostrou-se ele próprio um disciplinado seguidor do seu Lênin imaginário e das caricaturas adolescentes que faz da esquerda.

Difundir mentiras certamente o cacifou para assumir um posto chave no governo Bolsonaro, dada a comunhão de valores e métodos entre o secretário e o laranjal de milicianos terraplanistas.

A máxima de atribuir aos seus adversários características suas, acusando-os do que é xingando-o dos que faz, parece ser algo que Bolsonaro e sua turma leva bastante a sério. Eleito com um discurso moralizante que anunciava que “acabou a mamata”, apontou sempre que possível para os governos petistas como aparelhadores da máquina pública (outra inverdade constatada pelo IPEA em 2015, quando levantou que apenas 13% dos 23 mil cargos comissionados da época tinham filiação partidária, pouco menos da metade ao PT).

O tempo mostrou que, por trás desse discurso, estão declarações como a de que “se eu puder dar um filé mignon para o meu filho, eu dou, sim”, dita por Bolsonaro em uma live gravada em julho para defender a indicação do filho a embaixador do Brasil nos EUA. A tentativa de colocar Eduardo na ponta da diplomacia brasileira, porém, não foi o único episódio de patrimonialismo do governo. Da sucessão de acontecimentos que mostram que aderiu com empolgação à mamata da qual acusa adversários, está o mais recente envolvendo Fábio Wajngarten, chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência.

Na última semana, a Folha de S. Paulo revelou que Wajngarten recebe, via uma empresa da qual é sócio, dinheiro de emissoras de TV e de agências de publicidade contratadas pelo órgão que comanda (infiltrar e controlar os meios de comunicação de massa, vejam só, está entre as tosqueiras do decálogo de Lênin, o que deve explicar a proximidade de Bolsonaro com os bolcheviques Edir Macedo e Sílvio Santos). Ministérios e estatais do governo federal também estão entre os que abastecem os cofres de Wajngarten.

A Folha revelou ainda que, desde que assumiu o cargo, o secretário teve ao menos 67 reuniões com representes de clientes e ex-clientes de sua empresa. Vinte das viagens que fez para estes encontros foram bancadas com recursos públicos (“colabore para o esbanjamento do dinheiro público”, diz o Lênin de Rogério Marinho).

“Você está falando da sua mãe?”, reagiu Bolsonaro ao ser questionado durante entrevista coletiva se tinha conhecimento da situação de Wajngarten e sua empresa. Deve fazer bastante tempo que a mãe da repórter que fez a pergunta deixou de amamentá-la. O Lênin do Whatsapp ficaria orgulhoso.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Um minuto, por favor…

O bolsonarismo perdeu a batalha das urnas, mas não está morto.

Diante de um país tão dividido e arrasado, é preciso centrar esforços em uma reconstrução.

Seu apoio, leitor, será ainda mais fundamental.

Se você valoriza o bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando por um novo Brasil.

Assine a edição semanal da revista;

Ou contribua, com o quanto puder.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo