Ana Paula Lemes de Souza

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Doutoranda em Direito na FND/UFRJ. Pesquisadora, escritora, ensaísta, professora e advogada.

Opinião

‘Mamãe Falei e me ferrei’

O comentário de Arthur do Val sobre mulheres ucranianas revela o falso moralismo da trupe do MBL, que vem representando há anos o pior da política nacional.

O deputado estadual Arthur do Val. Créditos: Alesp
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O jovem de 35 anos, filho do MBL — Movimento Brasil Livre, Arthur do Val (Podemos), mais conhecido como Mamãe Falei, deputado estadual pelo estado de São Paulo, causou polêmicas com o comentário esdrúxulo sobre mulheres ucranianas, em áudio vazado que revela a sua pior faceta fora dos holofotes públicos.

É a segunda vez, em pouco tempo, que um membro do MBL se envolve em um discurso no mínimo estapafúrdio. A primeira foi com o também parlamentar Kim Kataguiri (Podemos), no episódio do Flow Podcast, em fevereiro deste ano, durante conversa com Monark e com a colega deputada federal Tábata Amaral (PSB).

Para Kataguiri, a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo, fala somente obliterada em virtude dos pronunciamentos absurdos de Monark, defendendo a existência de um partido nazista “reconhecido por lei”. Kataguiri voltou atrás em sua fala, após a repercussão negativa estrondosa diante do episódio, afirmando ter sido “infeliz” na sua colocação, já que não era bem isso que quis dizer. Mas estava dito…

Já Arthur do Val viajou para a Ucrânia em plena guerra, fantasiando seu próprio prazer de ajuda humanitária. Na sua fala, no mínimo nojenta ou grotesca, ficou evidente sua peregrinação egóica em terras devastadas estrangeiras, revelando, descuidadamente, no grupo privado de amigos, o olhar desviante de sua expedição.

Na fila das refugiadas ou nas barreiras alfandegárias com as policiais ucranianas, colou em mulheres, e contou da inacreditável a facilidade delas, deusas dignas de terem o c* limpado com a língua. Segundo Mamãe Falei, não era bem isso que ele pensava, mas enfim falou…

No alto da “infeliz colocação”, em um caso, ou do “momento de empolgação”, em outro, um erro vulgar. Homens como Kim Kataguiri e Arthur do Val são como sanguessugas que crescem tirando proveito da vulnerabilidade alheia, fantasiados em um moralismo estratégico e acusando outros de serem o que são eles próprios.

Arthur do Val e a objetificação feminina

No Dia Internacional da Mulher, data eminentemente política, devemos nos lembrar que mulheres são vítimas muitas vezes silenciosas dos abusos mais diversos, em especial nos contextos de guerra. No áudio vazado próximo a essa data, a fala do parlamentar sobre as refugiadas ucranianas ecoa repleta de misoginia, fetichismo e racismo que, na torpe visão do parlamentar, são deusas, porque loiras, e fáceis, porque pobres. Anunciou que voltaria ao Leste Europeu logo para o turismo sexual, e que esse era um velho costume de Renan Santos, um dos dirigentes do MBL, no chamado “tour de blondes”, em que usava técnicas para “pegar loira”.

Na trupe da irmandade masculina, é o colega Kim Kataguiri quem aparece em cena mais uma vez, em fala lamentável. Após o recuo na pré-candidatura de Arthur do Val para o governo do Estado de São Paulo e comentando o infeliz episódio, disse que os áudios são “odiosos”, mas que assédio não houve.

Mais uma vez, as entrelinhas dizem muito. Na visão gaguejante de Kataguiri, se Mamãe Falei fez ou não fez, de fato, turismo sexual em plena guerra na Ucrânia, talvez seja um fato menor. Na sua visão, o colega do MBL com “mandato econômico”, “que aprovou projetos importantes para o Estado de São Paulo”, proferiu sim áudios “injustificáveis”, mas, ainda assim algo tinha que ficar “claro”, que Arthur não assediou ninguém. Já diziam os Starks, de Game of Thrones, que tudo que vem antes do mas não vale de nada…

Na dúvida, Kim Kataguiri preferiu esboçar a “fé nas palavras” do colega, mesmo sabendo que não era a primeira vez em que Arthur do Val se envolveu em polêmicas de assédio sexual, como no episódio lamentável, em 2016, da ocupação do Colégio Estadual do Paraná, em que, nos próprios dizeres das vítimas, Mamãe Falei teria assediado adolescentes.

É curioso que para os membros do MBL a fala vale muito, ao mesmo tempo em que quase nada. As palavras são este bastião, que podem, ao mesmo tempo, derreter: “não era bem isso que quis dizer” ou “foram só falas ao vento”…

As pílulas morais do MBL

Kim Kataguiri: Deputado federal/MBL

O MBL, desde 2014, busca conquistar parcelas de poder espalhando conservadorismo e medo moral. O pilar, segundo o próprio movimento, é a “liberdade de imprensa” — desde que não se pise no calcanhar deles, é claro.

O próprio Arthur do Val assim se identifica, o que o levou a ficar conhecido como Mamãe Falei, levando no nome de seu canal do YouTube uma liberdade de expressão criteriosamente desenhada para manter privilégios e protegê-lo em seu suposto direito de vociferar absurdos.

O nome do movimento MBL — Movimento Brasil Livre, que gestou essas duas figuras torpes, não por acaso traduz com exatidão aquilo que escapa nas beiradas da fala “livre”. É assim, afinal, que emerge o pior de cada um deles, no sigilo entre amigos ou no escorregar das palavras desviadas.

O único termômetro que eles conhecem é o do constrangimento público: se algo dá errado, “não foi bem assim”, “não foi isso que eu quis dizer”, ou o clássico “sou apenas um jovem”.

E se acabamos de virar a página do Carnaval, é justamente de fantasia que se trata: a tal liberdade do MBL é tudo, menos liberdade, que se mostra cada vez mais mera fantasia de todo o horror, discriminação e preconceito.

O falso moralismo do MBL se apresentou enquanto “pílula moral”, gerando pânico para despertar afetos eleitorais estratégicos, com o medo da população. O episódio do Queer Museum ou as fake news “mamadeira de piroca” ou “kit gay” são consequências patológicas desse cenário, desviando o foco do que importava. Mas o remédio, a cada dia, tem se mostrado o verdadeiro veneno.

Talvez — apenas talvez — muito em breve a sigla “Brasil Livre” reluza em novas nuances, livrando o Brasil deles próprios, entre as palavras escorregadas no escárnio dos discursos que saem “sem querer, querendo”.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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