Opinião

Luta no STF, luta nas ruas

A reforma trabalhista afetou os trabalhadores com o fenômeno da ‘uberização’ da docência e a possibilidade de contratos temporários e intermitentes

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No próximo dia 28 de junho, estará na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) o processo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5794, que questiona os dispositivos da Lei 13.467/2017 que alteraram os artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) sobre a regulamentação da contribuição sindical.

A ação foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos (Contmaff) e é integrada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), que ingressou nela como amicus curiae, expressão que designa uma instituição que tem por finalidade fornecer subsídios às decisões judiciais, oferecendo aos tribunais dados, informações e argumentos que possam melhor embasar o debate sobre questões relevantes e de grande impacto.

A inclusão do processo na pauta do dia 28 foi estabelecida no despacho dado pelo relator, ministro Edson Fachin, no último dia 30 de maio. O documento, com mais de 30 páginas, faz um levantamento histórico da organização do movimento sindical no Brasil, desde a Primeira República até a Constituição de 1988. “É importante lançar, ‘quantum satis’, luzes sob o percurso histórico do movimento sindical brasileiro, para reconhecer que o texto de 1988 trouxe inovações ao sistema sindical brasileiro, mitigando, em alguma medida, o modelo corporativo altamente controlado pelo Estado, desde o Estado Novo.

Entre as medidas adotadas, pode destacar: o direito à livre fundação de sindicatos, dispensada a aprovação do Ministério do Trabalho; o reconhecimento constitucional da investidura sindical na representatividade da categoria; a liberdade de filiação (e desfiliação) dos sindicatos; a obrigatoriedade da participação sindical nas negociações coletivas; a possibilidade de instituição, via assembleia, de contribuição confederativa”, argumenta o relator da ADI.

No entanto, ele observa em seguida que a mesma Constituição também sustenta a organização sindical sobre três pilares — a unicidade sindical, a representatividade compulsória e a contribuição sindical, sendo que a mudança em qualquer um dos três desestabiliza todo o movimento. Citando o texto “Movimento sindical e negociação coletiva”, coordenado por Andrea Galvão e disponível no site do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o próprio ministro Fachin aponta que “ao tocar apenas em um dos pilares da estrutura sindical, a reforma preserva uma das fontes de fragmentação e impede os sindicatos de buscar formas de organização mais eficazes para defender os direitos dos trabalhadores e resistir à ofensiva patronal”.

Não é sem motivo que a Contee, entidade sindical de terceiro grau representante de mais de 1 milhão de professores e técnicos administrativos que atuam na educação privada, ingressou como amicus curiae no processo. A reforma trabalhista afetou de forma profunda os trabalhadores em educação, bem como aconteceu com as demais categorias. Tão logo a nova legislação entrou em vigor, vivenciamos demissões em massa nas instituições de ensino, sobretudo no nível superior, como ocorreu na Estácio; fomos afligidos por tentativas de precarizar nossas relações de trabalho, inclusive com o fenômeno da ‘uberização’ da docência e da possibilidade crescente de proliferação de contratos temporários e intermitentes; tivemos nossas convenções coletivas sistematicamente atacadas, no ensejo patronal de desfigurar direitos conquistados em décadas de lutas.

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Tanto é assim que o setor privado de ensino passou, nas últimas semanas, por diversas deflagrações de greve e/ou estados de greve, incluindo em São Paulo e Minas Gerais, os dois maiores estados do país em número de habitantes.

Nesse contexto, o ataque ao financiamento do sistema sindical brasileiro é mais uma arma do mercado e dos articuladores dessa verdadeira deforma trabalhista para minar a força da classe trabalhadora. Entretanto, estamos na luta, seja no STF, seja nas ruas. As greves em Minas e São Paulo, que mantiveram as conquistas de quem atua na educação, são provas contundentes de que a força dos trabalhadores e do movimento sindical continua viva.

João Batista da Silveira é secretário de ensino, advogado, professor de História e membro das diretorias executivas da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), da Federação Sindical dos Auxiliares de Administração Escolar no Estado de Minas Gerais (Fesaaemg) e do Sindicado dos Auxiliares de Administração Escolar de Minas Gerais (Saaemg)

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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