Marcos Coimbra

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Sociólogo, é presidente do Instituto Vox Populi e também colunista do Correio Braziliense.

Opinião

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Lula presidente

Ao fazer o que achava correto e, principalmente, ao não fazer o que queriam que fizesse, o ex-presidente sai da eleição em condições de ganhar e levar

Lula durante o debate da Globo. Foto: Ricardo Stuckert
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Estamos perto do fim de um longo processo eleitoral da mesma forma como nele entramos. Desde o início, tudo indicava que Lula ganharia a eleição, fosse no primeiro ou no segundo turno. Existia a chance de que vencesse logo, mas não era elevada e não veio. Sempre foi favorito para ser o próximo presidente. Com as informações disponíveis hoje, há, no entanto, uma expectativa que não deve se confirmar: a vitória de Lula não será por margem tão grande quanto chegou a parecer. Nada sugere que obterá os 20 pontos de frente que alcançou entre abril e maio deste ano.

Claro, pode-se argumentar que as pesquisas superestimavam a vantagem, que nunca teria sido, efetivamente, tão grande. Como o voto em Bolsonaro foi maior, no primeiro turno, do que se esperava, é possível imaginar que a diferença entre os dois teria sido menor, caso a eleição ocorresse antes. Não há, no entanto, como saber.

O que aconteceu nos últimos quatro, cinco meses? Por que Lula chega ao fim do processo com uma intenção de voto menor do que atingiu? São dois os motivos principais. De um lado, fez escolhas que tiveram consequências. De outro, Bolsonaro cometeu uma montanha de ilegalidades, tratadas por nosso sistema político e pelo Poder Judiciário com tolerância descabida.

Em abril e maio, quando a vitória de Lula, por ampla margem, se tornou quase certeza, vimos o que costuma acontecer nas eleições brasileiras: foi todo mundo bater à porta do favorito, como é típico de uma cultura política na qual ninguém espera ou cobra dos atores coerência e alinhamentos duradouros. Salvo exceções de praxe, a vasta maioria de nosso sistema político estava pronta a aderir ao ex-presidente. Alguns de forma explícita, outros de maneira velada, em armistícios e pactos de não agressão.

Caso Lula abrisse a porta, mesmo que um pouco, ele poderia ter consolidado sua dianteira ainda mais e, ao mesmo tempo, limitado o crescimento do adversário. Quem sabe, a ponto de estar hoje com a mesma larga vantagem que as pesquisas de então apontavam. Só dependia dele a decisão de abri-la ou não, mas havia custos a considerar. Cada um desses aliados de ocasião queria alguma coisa e fixava um preço.

Ofereceram-se a Lula três tipos principais de apoios: a) de uma parcela ­grande da liderança evangélica, particularmente das igrejas neopentecostais; b) de algumas lideranças de partidos fora de sua aliança, especialmente governadores na disputa pela reeleição; c) de um pedaço importante do empresariado, inclusive do mercado financeiro.

Naquela altura, as preferências do eleitorado evangélico ainda eram disputadas entre Lula e o capitão, e importantes igrejas não haviam se comprometido com um ou outro (mesmo que tivessem suas inclinações). Muitas procuraram Lula e estavam dispostas a apoiá-lo. Quanto a Bolsonaro, ainda não tinha o voto de dois em cada três evangélicos, como teve, cerca de metade de sua votação no primeiro turno.

Na mesma época, o que mais queriam governadores como os do Rio de Janeiro e Minas Gerais era que Lula se abstivesse nas eleições locais, em troca de apoio ao petista ou, no mínimo, o compromisso de não fazer oposição. País afora, candidatos de vários partidos propuseram acordos semelhantes, desrespeitando suas alianças e querendo que Lula ignorasse as dele. Para o empresariado, o relevante era o ex-presidente se comprometer com nomes para o primeiro escalão e propostas de seu agrado. Não ofereciam simpatia, mas recuariam na oposição ostensiva e não deixariam que seus representantes no Congresso se mancomunassem com o capitão.

Lula poderia ter aceitado, mas não quis, e assim deixou esses setores, por falta de opção, com o capitão. Talvez tenha diminuído a margem de sua vitória, mas aumentou a chance de fazer o governo que imaginava, com um nível aceitável de contemporizações. Abriu mão de um resultado mais folgado para ter a chance de governar menos preso a gente como essa.

Quanto à bandalheira aprontada por Bolsonaro e sua turma, com a mais vergonhosa utilização de recursos públicos e do aparelho de Estado de nossa história, pode ter ajudado a diminuir a vantagem de Lula, à custa de um emporcalhamento das instituições que vai demorar a ser limpo. Nosso sistema político tratou o capitão como uma criança mimada, que embirra se não a deixam espalhar sua sujeira.

Ao fazer o que achava correto e, principalmente, ao não fazer o que queriam que fizesse, Lula sai da eleição em condições de ganhar e levar. Sua antessala estará livre de bispos picaretas, políticos oportunistas e empresários espertalhões. Muito melhor para ele e para o Brasil. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1232 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Lula presidente “

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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