Guilherme Boulos

boulos@cartacapital.com.br

Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Foi candidato à Presidência da República em 2018, pelo PSOL.

Opinião

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Lula é favorito, mas a eleição não está ganha

A vitória precisará ser conquistada a partir de ampla mobilização nos becos e vielas. É preciso gastar a sola do sapato

Lula é favorito, mas a eleição não está ganha
Lula é favorito, mas a eleição não está ganha
O ex-presidente Lula. Foto: Ricardo Stuckert
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Em 1992, o economista James Carvill, integrante da campanha de Bill Clinton à Presidência dos EUA, resumiu o foco da vitória sobre George Bush com a seguinte frase: “É a economia, estúpido!” Sim, o cenário econômico foi decisivo para o descontentamento social que impediu a reeleição do presidente republicano. Famoso e usado à exaustão, o bordão ganha outro sentido nas eleições que enfrentaremos no Brasil este ano.

Se fôssemos analisar os dados econômicos frios, Bolsonaro já estaria derrotado: PIB provavelmente negativo no ano eleitoral, desemprego elevado e inflação crescente. Mesmo quando houve algum crescimento econômico em seu governo, foi alicerçado no agronegócio, que gera poucos empregos e está voltado para a exportação. Pela economia, strictu sensu, a eleição estaria decidida. Isso sem mencionar a conduta criminosa do ex-capitão na pandemia, as suas constantes ameaças autoritárias e os escândalos com milicianos, orçamento secreto e rachadinhas.

De fato, todos esses fatores definem o favoritismo de Lula, atestado em qualquer pesquisa de opinião. Nem precisaria do Datafolha. O Data Boteco, o clima nas ruas e nas redes sociais, revela uma mudança de ventos contra Bolsonaro e a favor do ex-presidente, que renasce como uma Fênix após anos de linchamento público e uma prisão política de quase dois anos.

Insisto, porém, em um ponto que tenho martelado em todas as conversas políticas: o jogo não está ganho. A ­disputa será mesmo, ao que tudo indica, contra Bolsonaro. Nenhum nome da chamada terceira via – a começar pelo patético Sergio Moro, ex-ministro do capitão – demonstra condições de crescimento eleitoral. Mas é justamente Bolsonaro que, apesar da aparência de cachorro morto, pode crescer onde hoje as pesquisas menos indicam: o eleitorado popular, nas periferias do Brasil.

Pode parecer um contrassenso, dada a popularidade de Lula entre os mais pobres e, particularmente, no Nordeste. Mas não é. Seria um erro grosseiro subestimar o efeito de um auxílio de 400 reais para 18 milhões de famílias brasileiras que se encontram na extrema pobreza. Não é pouca coisa em tempos de vacas magras. O benefício pode representar a diferença entre comer ou não, entre ser despejado ou conseguir pagar o aluguel.

Que o Auxílio Brasil seja uma jogada eleitoreira, que tem prazo de validade no fim do ano; que a fome, a inflação e a estagnação econômica foram produzidas pela política deste mesmo governo; tudo isso, quem está no calor da luta política sabe, mas pode não surtir tanto efeito diante da sensação de melhora de vida para milhões de pessoas atiradas no desespero. Isso sem mencionar as centenas de pequenas obras, espalhadas pelo País, fruto do retalho do investimento público pelo orçamento secreto, destinado a parlamentares comprometidos com o governo. A propósito, pesquisas internas que partidos têm feito nas últimas semanas apontam um crescimento de Bolsonaro precisamente neste setor da sociedade.

Enquanto a mídia e a maior parte das forças partidárias focam suas atenções na superestrutura do debate político – federações, coligações, montagem dos palanques etc. –, pode estar em curso, silenciosamente, uma recuperação relativa de Bolsonaro nas periferias urbanas e no interior do País. Repito, não há dúvidas de que Lula seja o favorito para vencer as eleições de outubro, mas a vitória precisará ser conquistada a partir de ampla mobilização e diálogo nas periferias. Mais que nunca, essa campanha exigirá engajamento muito além de jogadas espertas de marqueteiros profissionais.

Será uma batalha de becos e vielas, a envolver os meios de comunicação e as redes sociais, mas também bastante sola de sapato e militância. A eleição de 2022 será uma guerra, em um país conflagrado. Aos que acham que o jogo está resolvido; aos que imaginam que composições partidárias e gestos ao centro sejam suficientes para levar a fatura, vale parafrasear o batido slogan de James Carvill, realocando no centro da nossa batalha: é a periferia, estúpido! •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1196 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE FEVEREIRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “É a periferia, estúpido!”

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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