Opinião
Luigi Mangione, justiceiro ou revolucionário?
O assassino do CEO de uma gigante da saúde provoca fascínio nas redes sociais – a indignação com as injustiças do capitalismo, contudo, precisa ser recanalizada
A morte de Brian Thompson, CEO da empresa de planos de saúde UnitedHealthcare, pelas mãos do jovem Luigi Mangione ganhou atenção mundial nos últimos dias. Revoltado com a dinâmica dos planos de saúde privados em lucrar às custas das vidas dos seus segurados, Mangione atirou em Thompson na saída de hotel em Manhattan, onde o executivo participaria de uma conferência de investidores da empresa.
Mesmo para liberais ortodoxos, parece difícil uma defesa moral da maximização dos lucros dos planos de saúde num contexto em que, para isso, é inevitável que pessoas morram ou tenham a saúde afetada. Diferentemente do Brasil, os EUA não possuem uma saúde pública da envergadura do SUS, o que deixa seus cidadãos ainda mais à mercê do ímpeto predatório do setor.
Isto posto, o fascínio das redes sociais por Mangione atingiu níveis surpreendentes. Mas a louvação corre o risco de parar por aí e se perder como ação autônoma e com pouco potencial de transformação. É este o possível destino de iniciativas individuais, impulsionadas por razões morais e sem uma estratégia de fundo.
Algo parecido aconteceu na Rússia do século XIX, quando, embalado pelo sucesso da ação terrorista que matou o czar em 1881, Alexandre Ulianov, irmão de Lenin, foi preso e fuzilado em 1887 após se envolver em uma conspiração para matar Alexandre III, então imperador da Rússia. Lenin reprovava publicamente os métodos do irmão, movido por um romantismo que juntava ação revolucionária e martírio cristão.
Para Lenin, o sacrifício vitimizante, baseado na ação individual, tinha pouco ou nenhum potencial de transformação da realidade. Atos de heroísmo e julgamentos morais seriam inúteis para atingir vitórias políticas relevantes. Compreender a realidade, a partir da análise realista de uma situação concreta, era mais do que fundamental para uma ação política organizada e conduzida com disciplina suficiente para alterar o estado das coisas.
Não por menos, um relatório da polícia czarista de 1913 definiu que a “facção leninista é sempre melhor organizada do que as outras, mais resoluta na busca de seu objetivo, mais rica na difusão de suas ideias entre os operários”. Foi com esta disciplina que, em outubro de 1917, os bolcheviques derrubaram trezentos anos de czarismo.
O fascínio social por Mangione parece ir ultrapassar sua aura de justiceiro, uma espécie de paladino que, matando um ganancioso empresário, lavou a alma de milhões de pessoas que veem suas vidas destruídas por grandes corporações.
Essa faísca inicial, contudo, precisa ser transformada em ação política efetiva, coletiva e organizada. Para tanto, é preciso compreender o real significado de atos violentos como esse e a origem desta revolta moral. Sem isso, mais uma vez, ficaremos apenas nos memes.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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